• A música popular brasileira brilha nas páginas dos livros

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  • 02/10/2022 08:00
    Por Danilo Casaletti, especial para AE / Estadão

    A filósofa e cantora Eliete Negreiros, uma das fundadoras da Vanguarda Paulista, estudiosa da obra de Paulinho da Viola, escreve no artigo Filosofia do Mundo, que faz parte de seu novo livro Amor à Música (Edições Sesc São Paulo), que na poética do compositor carioca é possível ver a canção como lugar de reflexão sobre o mundo. Assim como o livro de Eliete, outros lançamentos recém-chegados ao mercado se debruçam sobre a obra de artistas da música popular brasileira em busca de signos e conexões contidos em discos e gravações. Para Eliete, as canções proporcionam lições de sabedoria.

    “A obra de Paulinho da Viola é particular e universal. Há ensinamentos e também momentos de pura beleza, de irradiância. Então, na primeira escuta somos como que encantados, arrebatados por aquele universo. Depois, a canção, aos poucos, vai nos revelando alguns de seus segredos”, diz.

    Em Amor à Música, Eliete também reflete, em textos escritos entre 2012 e 2014, sobre produções de Noel Rosa, Isaurinha Garcia, Tom Jobim, Elizeth Cardoso, Candeia, Arrigo Barnabé, Luiz Melodia, entre outros. “Quando aprendi a prestar mais atenção nas canções senti que desenvolvi uma nova forma de percepção”, diz Eliete sobre esse exercício.

    TROPICÁLIA. Um dos novos lançamentos da série O Livro do Disco, da Editora Cobogó, é o primeiro grande olhar para a obra de Beth Carvalho (1946-2019) desde sua morte. Escrito pelo jornalista carioca Leonardo Bruno, o livro analisa o álbum De Pé no Chão, lançado em 1978. Aberto com a faixa Vou Festejar, o álbum, segundo mostra Bruno no livro, tem importância não só pela obra de Beth, mas sim na história da música popular brasileira. Ele o compara com a bossa nova e à Tropicália.

    “É o Chega de Saudade do samba, um disco-manifesto que inaugura uma nova era. Ele lança o movimento do pagode, uma sonoridade que tem uma permanência incrível”, relata Bruno. Ele conta ainda, no livro, como foi a introdução de instrumentos como o banjo, o repique de mão e o tantã, na gravação do álbum.

    Leonardo Bruno fez também o roteiro do documentário Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho, que será exibido em outubro no Festival do Rio – e que foi produzido a partir das cerca de 800 fitas que a cantora gravou ao longo da carreira.

    Também da série O Livro do Disco, Fullgás, do professor da ESPM Renato Gonçalves, mostra o quinto álbum de Marina Lima – o primeiro a lhe dar um sucesso popular. Lançado em 1984, ele é analisado por Gonçalves sob três perspectivas: a política – a contracapa traz um manifesto escrito por Marina e por seu irmão e parceiro Antônio Cícero; a comportamental, com a abordagem do prazer feminino e da bissexualidade; e a musical. “As pessoas se referem a 1980 como a década perdida. Mas isso foi na questão econômica. Como desprezar o momento de construção da democracia, de transformações comportamentais e a globalização? O Fullgás está nesse início de tudo”, diz o autor.

    Autora dos livros Discobiografia Legionária, Discobiografia Mutante: Álbuns que Revolucionaram a Música Brasileira e Viver é Melhor Que Sonhar: Os Últimos Caminhos de Belchior, esse último em parceria com Marcelo Bortoloti, a jornalista Chris Fuscaldo criou, em 2018, a editora Garota FM Books, voltada a temas musicais.

    Só neste mês ela lançou, via financiamento coletivo, os livros 1979 – O Ano que Ressignificou a MPB, com organização de Célio Albuquerque, e Cantadas, de Mauro Ferreira. Até o final do ano, lançará O Produtor da Tropicália, escrito por Renato Vieira, e De Tudo Se Faz Canção – Os 50 Anos do Clube da Esquina, que Chris organizou com Márcio Borges.

    O livro 1979, que traz artigos sobre 100 discos brasileiros daquele ano, vendeu quase mil cópias em três meses. “É um livro muito diversificado. Agrada afãs da Gretchen e do Gilberto Gil. E a fãs das compositoras que não estão em nenhum livro, como Fátima Guedes e Sueli Costa”, opina.

    Para o pesquisador Tito Guedes que, ao lado de Luiz Felipe Carneiro, escreveu Lado C – A Trajetória Musical de Caetano Veloso até a Reinvenção com a Banda Cê (Editora Máquina de Livros), que aborda os discos Cê, Zii e Zie e Abraçaço, um recorte específico torna possível o aprofundamento em um tema que uma biografia não consegue contemplar por inteiro. “É uma fase muito rica de Caetano. Colocando uma lupa nela, você consegue entendê-lo como um todo”, diz Tito.

    FRAGMENTAÇÃO. Com a fragmentação trazida pelas plataformas musicais, que estimulam o ouvinte a consumir música de forma avulsa, como se dará esse tipo de análise no futuro? Renato Gonçalves afirma que a preferência do público por faixas virais traz novos desafios aos artistas e pesquisadores. “A fruição da obra é diferente. Não tem como se contar uma história pela ordem das faixas. Mas há outras maneiras de se fazer isso, como os projetos audiovisuais”, pondera.

    Para Eliete Negreiros, a pulverização do streaming faz a canção perder seu lugar de reflexão. “Uma das coisas que a arte proporciona é desacelerar o ritmo veloz do mundo, que pela pressa institui o domínio da superficialidade. É como se a arte criasse um outro tempo, dentro deste, tempo de deleite e reflexão. Com a velocidade e a fragmentação, a mercadoria reina soberana sobre a arte”, diz.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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