• A longa sombra de Vargas

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  • 04/05/2019 12:00

    A figura de Getúlio Vargas deixou marcas profundas na história do País. Os efeitos de curto e de longo prazos de sua longa presença à testa do governo federal nem sempre são analisados com o devido cuidado. As benesses que nos legou num primeiro momento se revelaram, a longo prazo, e em muitos casos, bolas de ferro acorrentadas aos dois pés da Nação, com efeitos retardadores do real desenvolvimento nacional. Sentimos na pele e no bolso até hoje. Ele subiu ao poder no bojo da revolução de 1930, após a queda da chamada República Velha (1889-1930), um dos períodos mais medíocres da república no Brasil em que os interesses regionais e de grupos políticos e econômicos deram de goleada no interesse público.

    Nossa formação histórica inclui um traço autoritário que se manifesta nas classes dirigentes e na população, ainda que com menor intensidade nesta do que naquelas. Pesquisas, em pleno século XXI(!), sobre o apoio à democracia junto à população apresentam percentuais bem menos expressivos do que gostaríamos de constatar. Sem dúvida que o desencanto com a democracia tem raízes na ausência quase secular do voto distrital puro e do recall, ou seja, na possibilidade de os eleitores poderem realizar uma eleição em seu distrito eleitoral e substituírem seu parlamentar (vereadores e deputados estaduais e federais). Os eleitores sentem na pele que não têm instrumentos efetivos de poder sobre os políticos. Eles se sentem manipulados e não representados.

    O quadro descrito no parágrafo anterior reflete a mesma desilusão da população quando nos relembramos das eleições a bico de pena da República Velha, em que as atas das apurações dos resultados da votação nas seções eleitorais eram escritas na véspera. Inventou-se no Patropi o sistema mais rápido de apuração da história da humanidade: os resultados já eram conhecidos no dia anterior! Sem dúvida que a cama estava feita para o surgimento de um ditador. E foi assim que Getúlio Vargas ocupou a cadeira presidencial por tempo demais. Ainda me lembro de um amigo me contando a história do avô dele, político de certo relevo, andando para lá e para cá na sala da casa, com expressões de apoio entusiástico a Vargas quando soube que ele havia fechado as casas dos poderes legislativos municipais, estaduais e federal.    

    Tomemos dois casos ilustrativos do lastro contraproducente getulista: a contribuição sindical compulsória para empregados e empregadores e a legislação trabalhista, ambos com seu efeito marcha-lenta sobre o crescimento, que permaneceram até recentemente, décadas após seu suicídio em 1954.

    A contribuição compulsória tornou fato o que parecia impossível: a invenção de sindicatos sem sindicalizados. Os recursos para sustentar os sindicatos pingavam automaticamente no caixa dos sindicatos patronais e de trabalhadores em função de descontos obrigatórios por lei para tal. Obra típica da capacidade de manipulação de um ditador como Getúlio Vargas. Foi assim que ele pariu o pelego, do lado dos trabalhadores; e os bajuladores, do lado empresarial, ambos dependentes de verbas do governo décadas a fio. Ambos nada representativos daqueles que deveriam representar na esfera sindical.

    A legislação trabalhista criou uma fábrica única no mundo de ações  trabalhistas que ultrapassaram nos últimos tempos, antes da reforma trabalhista, três milhões em 2016. O Citibank reduziu em muito sua presença no Brasil, entre outras razões, quando descobriu que 95% das ações trabalhistas de que era alvo no mundo inteiro se concentravam no Brasil. As empresas eram objeto de litigância de má-fé, pois o empregado tinha custo zero mesmo que perdesse a ação. Os advogados mal intencionados usaram e abusaram disso. Ao invés de investirem para gerar novos empregos e ganhos reais de salários, as empresas despendiam fortunas em indenizações trabalhistas. Embora não exista mais há muito tempo, no início, a legislação trabalhista de Vargas dava estabilidade no emprego ao trabalhador após completar 10 anos de casa. Eram frequentes os casos de bons trabalhadores que se tornavam relapsos escorados na lei que os induzia à vida mansa.

    E foi assim que a longa sombra de Vargas ajudou a obscurecer em muito as perspectivas de desenvolvimento real do País. O preço pago foi elevadíssimo.

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