‘A literatura fotografa o nosso tempo’, diz escritor
Pedro Bandeira está com livro novo para crianças: Tutifruti: Venha Para a Feira da Alegria (Moderna). O autor de A Droga da Obediência e de vários outros sucessos com os personagens da turma Os Karas, lidos por muitas gerações de pré-adolescentes brasileiros, tem preferido escrever para os pequenos leitores.
“É de pequenininho que se torce o pepino. Se a gente puder botar o livro, bons e agradáveis livros, na mão das crianças pequenas, dos bebês, elas têm mais chance de chegar na adolescência já sendo um leitor”, contou ao Estadão em uma tarde tranquila na Livraria NoveSete, na Vila Mariana, uma das primeiras do País dedicadas à literatura infantojuvenil.
Aos 81 anos, 130 livros no currículo e nada menos do que 29 milhões de exemplares vendidos, ele falou, nesta entrevista, sobre infância e incentivo à leitura, o cuidado que devemos ter com o nosso “lado emocional”, censura, leitura sensível e revisão histórica.
A Droga da Obediência (1984) ganhou uma adaptação para teatro musical e vai estrear em julho, em São Paulo. O espetáculo dirigido por Allan Oliver, sobre uma turma de adolescentes – Os Karas – que tenta impedir o Doutor Q.I. de subjugar a humanidade aplicando na juventude uma perigosa droga, em cartaz de 2 a 30 de julho no Viradalata (Rua Apinajés, 1.387).
O senhor está escrevendo mais para criança ou para adolescente?
Neste momento, mais para crianças porque eu tinha pouca coisa para elas. Mas tem outra razão: é de pequenininho que se torce o pepino. Se a gente puder botar o livro, bons e agradáveis, na mão das crianças pequenas, dos bebês, elas têm mais chance de chegar na adolescência já sendo um leitor.
As crianças e os adolescentes de hoje são iguais aos de quando você começou?
Qualquer criança adora ouvir uma história. Aliás, qualquer adulto adora ouvir uma história. Nós colocamos a culpa do pouco amor do nosso filho pela leitura no videogame, no celular. O menino está lá no celular, o pai chega do trabalho e fala: ‘Filho, vamos jogar bola com o papai?’ Ele não larga? Claro que larga. Ele prefere o pai em primeiro lugar. O pai não diz: ‘Olha o livrinho que eu trouxe, vamos ler juntos?’. Ele não faz isso. A culpa é do videogame? A culpa é sempre nossa. A culpa é da família.
E os adolescentes?
O adolescente tem que ser preparado antes. A adolescência, principalmente, é um momento que, em turma, você é animado e fala, mas, sozinho, você se retrai. Então, se você não joga bola com ele, se não conversa, não está sempre na vida dele, ele se retrai mesmo e, ao se retrair, ao fechar a porta do quarto, ele vai ficar lá sozinho com um fone de ouvido. É como se a gente os exilasse, os segregasse. Não são eles que se autossegregam.
Há um movimento hoje, no mercado editorial, de ‘leitura sensível’, feita por alguém que vai identificar se aquele conteúdo pode agredir alguém ou algum grupo, se tem alguma coisa que vai gerar polêmica, numa tentativa de lançar um livro ‘menos problemático’. Acontece com livros novos e com clássicos. Aconteceu com Lobato, e recentemente com Roald Dahl. Como o senhor vê essa revisão da literatura?
A História é a História e está lá. Você pode se aprofundar e a literatura ajuda até a entender a história. Ela fotografa o seu tempo. Como se pode censurar Os Irmãos Karamazov, que é a história de uma família se destruindo? ‘Não, a família não pode se destruir’, então não se pode ler Os Irmãos Karamazov, Crime e Castigo… O sujeito mata duas velhinhas a machadada. ‘Como? Tem que proibir esse livro’. Como podemos ser donos da História? Como podemos ser donos da literatura? Quem tem o direito de mexer no Dahl? Eu, por exemplo, gostei muito do Tarzan. Mas ele é um branco, que vive na floresta, nu, e domina a floresta inteira. Quer dizer, os brancos dominando toda a África. É o livro mais colonialista que você vai ler. Só por isso, virei colonialista? Agora, Lobato tem um livro que eu execro: Caçadas de Pedrinho. Os meninos saem para matar uma onça. Na época, para um fazendeiro como ele foi, uma onça era algo perigoso porque invadia e matava os bezerros. Era preciso se livrar dela. Mas, hoje? A onça é o animal mais lindo do mundo, você tem vontade de abraçá-la de tão bonita que é. Temos que protegê-la. Então, eu não daria esse livro para o meu filho – dei Reinações de Narizinho.
Existe outro movimento, mais forte hoje nos EUA, de censura a livros. São pais, grupos, políticos que se organizam na tentativa de tirar alguns conteúdos das bibliotecas e das escolas.
Tirar um livro de uma biblioteca é acreditar que se pode apagar a História. Apagar o passado. Hitler queimou pilhas de livros, dos maiores autores do mundo, e estão todos aí. É impossível apagar a História. É impossível apagar a literatura.
O senhor passou por isso com A Marca de Uma Lágrima, em 2016, quando a mãe de uma aluna de Belo Horizonte se incomodou com o livro indicado pela escola.
Não foi só essa vez. Já tive casos de censura de pais muito grandes.
Principalmente com os livros sobre adolescência quando vou escrever, tenho que escrever para o meu leitor – e não para o professor, nem para o acadêmico ou para o crítico. Nem para os pais. Escrevo para os filhos deles. E os filhos deles estão vivendo uma série de coisas. Tenho que colocar a realidade do meu leitor. Um pai disse que a filha tinha 13 anos e ainda estava na idade de brincar com boneca. Ele pensa, mas ela já menstruou, já é uma mulher e está brincando com outro tipo de boneca. Quando escrevo sobre a Maria Isabel, em A Marca de Uma Lágrima, tenho que contar a sua verdade. Ela é uma menina sozinha, sem irmãos, a mãe não dá atenção. Ela é muito intelectualizada porque fica sozinha lendo, sem informação, porque nunca teve alguém que lhe explicasse as coisas da vida. Ela tem toda uma cultura livresca, mas as emoções são fracas. Então, ela se desespera. Depois passa, mas aquele momento é a verdade da dor dessa menina, desse menino. Faz parte, é do jogo da vida. A criança e o adolescente ficam isolados com suas dúvidas.
Que balanço o senhor faz?
Que foi bom ter exercido essa profissão porque posso nunca me aposentar. Se eu tivesse seguido minhas carreiras anteriores, de jornalista ou de publicitário, já estaria aposentado. Eu estou trabalhando para a formação do ser humano brasileiro, ajudando-o a crescer, falando das suas emoções.
Enquanto aquele alemão chato (Alzheimer) não me pegar, estou aí. Minha amada Tatiana Belinky tinha quase 95 anos e ainda escrevia sentadinha, com uma almofada e um caderninho no colo. Edy Lima morreu com 97 e ainda teve um livro publicado depois. Que beleza essas pessoas que deram a vida justamente para a literatura infantojuvenil. Para um país como o nosso, que precisa de um futuro, precisamos preparar os futuros adultos. A literatura infantojuvenil é absolutamente indispensável.
O que é o Tutifruti?
É um livro para bebês de colo até a pré-alfabetização. É a fase do animismo, em que o ser humano acredita que tudo tem vida. Isso é fundamental nessa idade. Imaginei fazer um livro antropomorfizando legumes, frutas e verduras.
Tutifruti: Venha para a Feira da Alegria
Au.: Pedro Bandeira
Ed.: Moderna
Il.: Mariana Munhoz
48 páginas
R$ 65
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.