• A linguagem do carinho

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 27/03/2017 12:00

    Até os animais são capazes de retribuir um gesto de carinho. Quem tem algum animal em casa sabe que o afeto é primordial no relacionamento com eles. 

    No sertão, vi gado seguir o vaqueiro só pelo canto. O gado reconhece o aboio de quem se dedica ao seu trato. 

    Tive a oportunidade de ver, nas ruas do Rio, o Profeta Gentileza com a sua tábua: “Gentileza gera Gentileza”.

     Ele se considerava um "amansador dos burros homens da cidade que não tinham esclarecimento". Quando alguém o chamava de louco, dizia: "Sou maluco para te amar e louco para te salvar". 

     José Agradecido, como também era chamado, andava pelas ruas pregando o amor e o respeito à natureza. Hoje vejo estampado em camisa e em adesivo nos vidros dos carros a frase: “Gentileza gera Gentileza” – Muitos não sabem que o seu autor era considerado louco.

    Em Petrópolis, tenho encontrado, com frequência, um ex-aluno que entrou em um mundo que não tem saída. Anda pelas ruas com pressa, sempre com um ar de preocupação. Mas, quando nos encontramos, paramos para alguns minutos de prosa: 

    – Tudo bem professor?!

    – Tudo tranquilo!  Como tão as coisas?

    – Hoje tou preocupado, com problemas pra resolver. 

               – Muito sérios?

    – Bastante complicados! Como vai a escola? Como tá a professora Valéria?

    – Está bem…

     – E a professora Cecília? O professor Silas?  Dê um abraço no pessoal! Tenho que ir lá. Só que tou sem tempo. 

    Esses professores que ele citou estão aposentados. Trabalhavam na rede pública de ensino, no Centro de Estudo Supletivo de Petrópolis, hoje CEJA (Centro de Estudos de Jovens e Adultos). Apesar do problema que o leva a andar ansioso pelas ruas, não esqueceu o carinho que recebeu, quando ainda era possível se concentrar nos estudos. 

    Em várias ocasiões em que o encontrei, ofereceu-me emprego. Um dia, falou-me que estava com um projeto para abrir uma universidade e me perguntou se poderia trabalhar com ele. Outra vez, o projeto idealizado consistia na criação de uma linha de ônibus Petrópolis-Rio. Dessa utópica empresa, queria que eu fizesse parte da diretoria. Sempre agradeço a confiança e ficamos de reencontrarmos no CEJA para aprofundar a conversa. Quando ele aparece na escola, não toca no assunto que abordamos na rua. Mas procura conversar com aqueles que foram seus professores. É sempre bem recebido pelas professoras Marina e Amelinha.

    Outro dia, eu o avistei no lado par da rua Roberto Silveira. De longe, deu para ver que estava bastante irritado, falando alto. Nunca o vi assim tão transtornado. Mas, como sempre, parou e diminui o tom de voz:

    – Como vai professor?

    – Tudo bem!

    – Como tá o pessoal lá?

    – Estamos bem!  O que houve?

    – Um cara de preto não me deixou entrar ali. Ele tá pensando o quê?  – Apontou para um bar da Rua Alfredo Pachá e disse:

    – Vou comprar aquele butiquim onde ele trabalha e vou mandar ele embora. 

     A paciência é fruto do respeito, da compreensão que temos diante da realidade do próximo. O senhor a que me refiro vive impulsionado por uma inquietude no seu inconsciente, que o leva a mergulhar em fantasias que não têm os limites do real. Os professores citados souberam diagnosticar isso e o acolheram normalmente, tratando-o com dignidade. A eles, deixo aqui o abraço enviado por esse ex-aluno. Ao senhor de preto, peço-lhe um pouco de paciência com essas pessoas que criaram um mundo dentro de si e nele vivem, sem nenhum compromisso com a lógica. Mas, garanto: com ternura, é possível chegar até eles. Com estupidez não há diálogo. 

    – Prefiro a sinceridade dos loucos ao fingimento dos que se consideram lúcidos.

    Últimas