
A lição do Chile e nós
Estou lendo o livro “A Hora dos Economistas”, de autoria de Benyamin Applelbaum, principal redator do Conselho Editorial do “New York Times”, que também atuou em Washington, D. C., cobrindo política econômica. É também profundo conhecedor da América Latina na área de economia, como se depreende do capítulo 9 intitulado “Fabricado no Chile”. Ele faz um preciso relato dos Chicago Boys, assim chamados no início da década de 1970, em que eu estava fazendo mestrado em Economia na EPGE – Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV, nos idos de 1972 e 1973.
No segundo ano do mestrado, numa turma de 20 alunos, havia um número expressivo de colegas que pretendiam fazer doutorado em universidades americanas, entre eles, Paulo Guedes, que foi aceito no Departamento de Economia da Universidade de Chicago, onde concluiu seu Ph.D. em meados da década de 1970. Pouco depois, eu fui para a Universidade da Pensilvânia, na mesma área, nos anos de 1977 a 1980.
Ainda me recordo bem do clima da minha turma, onde predominavam cariocas e mineiros. A turma era claramente dividida entre esquerda e direita. Estávamos em plena ditadura militar oriunda do golpe de 1964. Reinava na juventude de então um espírito de revolta contra a ocupação do poder pelos militares, que já ia para quase uma década. E iria durar até 1985. Naqueles tempos, já se falava dos Chicago Boys como sendo um grupo a serviço do capitalismo americano em plagas latino-americanas.
As discussões eram acirradas em relação a quem pretendia fazer doutorado no exterior. Havia quase que um clima de vigilância em relação à qual universidade iria cada um de nós. As universidades americanas eram as preferidas, com as inglesas em seguida, e uma ou outra nos demais países europeus. Ninguém foi para a que era conhecida como Escolatina, hoje ELADES – Escola Latino-Americana de Estudos de Desenvolvimento da CEPAL, cuja figura de maior expressão foi o economista Raúl Prebisch. Ele se tornou conhecido por ter iniciado a linha estruturalista do pensamento econômico.
A proposta da CEPAL para a superação do subdesenvolvimento ficou conhecida como a teoria da substituição de importações. Mais diretamente: a América Latina tinha que se industrializar para se livrar do então chamado desenvolvimento dependente. A lógica por traz da proposta era que os preços dos produtos agrícolas, por longo período, vinham crescendo abaixo dos preços dos produtos manufaturados. Era, assim, uma relação entre centro e periferia, em que o centro (países desenvolvidos) ficava com a parte do leão.
Muitos anos depois, na década de 1980, tive a oportunidade de assistir uma palestra do Prebisch na FGV, no Rio de Janeiro, em que ele deixava claro o descaminho em que havia se metido. Em outros períodos, a relação entre preços de produtos industrializados e agrícolas também favorecia os agrícolas. De mais a mais, a criação da EMPRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola, em 1973, transformou a agricultura brasileira numa potência internacional, com produtividade por ha capaz de superar a da agricultura americana. No início dos anos de 1970, nossa produtividade oscilava entre ¼ e 1/5 da americana nas diversas culturas agrícolas.
Mas voltemos ao clima de EPGE, nos anos de 1972/1973, em que houve o golpe militar no Chile comandado pelo gal. Pinochet. Foram de fato cometidas atrocidades na linha de livrar o país do risco do comunismo. A economia chilena havia beijado a lona. Faltava de tudo. Greve dos caminhoneiros em função dos rumores de que seus caminhões iriam ser confiscados pelo governo. Dois terços ou mais da população contra o governo Allende. Deu no que deu.
Logo após o golpe de Pinochet, a proposta de livre mercado a todo vapor dos Chicago Boys, que no Chile se autodenominavam Chicago Tigers (Tigres de Chicago) não despertaram maior interesse no recém-implantado regime militar.
Nem mesmo o conservador Jorge Alessandro, que perdeu a eleição para Allende, e que se reuniu com alguns dos Chicago Boys, queria saber deles. Disse depois a um de seus assessores, após a reunião, o seguinte: “Tire esses malucos daqui. Não quero vê-los nunca mais”.
Aconteceu que, nos primeiros anos do regime militar, Pinochet se deu conta de que a economia não saía do lugar. Resolveu então convocar Friedman e seus Chicago Boys para ouvi-los. Todos estavam cientes das duríssimas medidas de política econômica a serem tomadas. Friedman e seus alunos afirmavam que depois o quadro econômico iria melhorar muito. E também houve a mão forte do regime militar para colocá-las em prática. Após alguns anos de muito sofrimento e penúria, os resultados começaram a aparecer. E a economia chilena avançou mais do que as dos outros países da região.
Mas o que se passou no Chile foi um conta de fadas com tudo indo às mil maravilhas? Não foi bem o caso, embora o saldo fosse bem positivo. O Chile continua a ter problemas sérios de desigualdade social. E as aposentadorias, baseadas no regime de capitalização, em que o trabalhador desconta parte de seu salário para quando se aposentar, não produziu os resultados esperados com valores médios na faixa de 150 dólares americanos. Nos últimos 20 anos, a economia chilena vem apresentando bons resultados, com o PIB crescendo cerca de 3,5% ao ano.
Mas que lição podemos tirar da experiência chilena? A primeira é que o governo deixou de ser protagonista, permitindo um grande crescimento da iniciativa privada. Houve também a opção pela livre movimentação de capitais, adotada inclusive pela Inglaterra. Os entraves bur(r)ocráticos na economia foram substancialmente reduzidos, dando agilidade às decisões empresariais. Isto significou mais empregos e investimentos.
Seria então o caso de simplesmente copiar o modelo chileno para que o Brasil fosse além de crescimento pífio da renda real per capita que temos? Não mesmo. Mas uma coisa é certa: não é retrocedendo ao período caótico do desgoverno Dilma, criticado até por José Dirceu, que o presidente Lula vai fazer o País crescer como precisa e ir adiante em bases estáveis. Provavelmente vai ser avaliado no futuro como uma perda de tempo histórico de quatro anos.
**Sobre o autor: Gastão Reis é economista e escritor
**Contato: gastaoreis2@gmail.com