• A importância fundamental da vida do espírito

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  • 26/03/2023 08:00
    Por Leonardo Boff

    O conhecido e sempre apreciado piloto e escritor Antoine de Saint-Exupéry, autor do Pequeno Príncipe, num texto póstumo, escrito em 1943, Carta ao General “X”  antes que seu avião se precipitasse no Mediterrâneo, afirma com grande ênfase: ”Não há senão um problema, somente um: redescobrir que há uma vida do espírito que é ainda mais alta que a vida da inteligência, a única que pode satisfazer o ser humano”(Macondo Libri 2015, p. 31). 

    Num outro texto, escrito em 1936, quando era correspondente  do “Paris Soir”, durante a guerra da Espanha, leva como título “É preciso dar um sentido à vida”. Aí retoma o tema da vida do espírito.  Afirma:”o ser humano não se realiza senão junto com outros seres humanos, no amor e na amizade; no entanto, os seres humanos não se unem apenas se aproximando uns dos outros, mas se fundindo na mesma divindade. Num mundo feito deserto, temos  sede de encontrar companheiros com os quais con-dividimos o pão”(Macondo Libri p.20). No final da “Carta do General “X” conclui: “Como temos necessidade de um Deus”(op.cit. p.36).

    Efetivamente, só a vida do espírito confere plenitude ao ser humano. Ela representa um belo sinônimo para espiritualidade, não raro identificada ou confundida com religiosidade. A vida do espírito é um dado originário de nossa dimensão profunda, um dado antropológico como a inteligência e a vontade, a libido,  algo que pertence à nossa essência. Ela está na base do nascimento de todas as religiões e caminhos espirituais.

     Sabemos cuidar da vida do corpo. Hoje vigora uma verdadeira cultura com tantas academias de ginástica. Os psicanalistas de várias tendências nos ajudam a cuidar da vida da psiqué, dos nossos anjos e demônios interiores para levarmos uma vida com relativo equilíbrio, sem neuroses  e depressões.

    Mas na nossa cultura, praticamente, esquecemos de cultivar a vida do espírito. As religiões que deveriam, por sua natureza, cumprir esta missão, a maioria delas, pregam antes suas doutrinas, dogmas e ritos já endurecidos do que oferecem uma iniciação à vida do espírito. Esta é nossa dimensão radical, onde se albergam as grandes perguntas, se aninham os sonhos mais ousados e se elaboram as utopias mais generosas. 

    A vida do espírito se alimenta de bens  intangíveis como é o amor, a amizade, a convivência amiga com os outros, a compaixão, o cuidado e a abertura ao infinito. Sem a vida do espírito divagamos por aí, sem um sentido que nos oriente e que torna a vida apetecida e agradecida.

    Uma ética da Terra, de reconhecimento de sua dignidade, de respeito face à sua complexa e riquíssima diversidade, não se sustenta sozinha por muito tempo sem esse supplément d’ame que é a vida do espírito. Facilmente a ética decai em moralismo ou em apelos espirituais, sem falar ao coração das pessoas.   

    A vida do espírito, vale dizer, a espiritualidade nos faz sentir parte da Mãe Terra a quem devemos  amar e cuidar. Pois essa é a nossa missão que o universo e Deus nos confiaram.

    Pelo fato de não estarmos cumprindo a missão que nos foi dada no ato  da criação do ser humano de “guardar e cuidar do Jardim do Éden”(Gn 2,15) vale dizer, da Mãe Terra, é que chegamos hoje ao limite extremo que, por guerras nucleares e terminais, pela mudança drástica do regime climático e outros fatores que desequilibram  o planeta, podermos ir ao encontro de grandes catástrofes ecológicas-sociais. Não é impossível de até nos autodestruir, frustrando  o desígnio do Criador.

    Confiamos  e esperamos na mínima racionalidade que nos resta, imbuída da inteligência emocional e cordial  que nos forçarão a mudar de rumo e inaugurar uma biocivilização na qual a amizade entre todos e os laços de amor nos poderão salvar. Enfim, a vida do espírito terá realizado a sua missão salvadora.

    Leonardo Boff escreveu junto com Jürgen Moltmann, Há esperança para a criação ameaçada? Editora Vozes, 2014.

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