• A importância do fator religioso

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  • 21/08/2022 09:00
    Por Leonardo Boff

    Que a religião possui uma força política poderosa confessa-o  Samuel P.Huntington em seu discutido livro O choque de civilizações (1977), que hoje com a nova guerra-fria se tornou novamente atual. Afirma ele: “No mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força central que mobiliza as pessoas…O que em última análise conta não é tanto a ideologia política nem os interesses econômicos, mas as convicções religiosas de fé, a família, o sangue e  doutrina; é por estas coisas que as pessoas combatem e estão dispostas a dar as suas vidas” (p.79;47;54). Ele mesmo fazia pesada crítica à política externa norte-americana por nunca ter dado importância ao fator religioso. E teve que sentir na própria pele o terrorismo islâmico de fundo religioso.

    Consideremos a situação do Brasil. Cito aqui a reflexão de uma pessoa inserida profundamente no meio popular com agudo sentido de observação. Vale a pena ouvir sua opinião, pois pode ajudar na campanha para derrotar a quem está desmontando nosso país.

    Afirma ele: “Temo que, apelando cada vez mais para o fator religioso, agitando o fantasma do comunismo = ateísmo e da perseguição religiosa, o negacionista e o “inimigo da vida”,  eventualmente possa ainda ameaçar de vencer a eleição”. 

    “Pois, é inelutável reconhecer: o povo em massa é religioso até o osso (supersticioso dirão os “intelectuais”, não importa).

    Ele vende o corpo e a alma pela religião, entendida de modo indistinto como “essa coisa de Deus”, sobretudo o brasileiro, sincretista que é. 

    E esse apelo não digo que seja bom, mas apenas que tem uma força tremenda e temo muito que possa ser decisiva no momento de decidir o voto.” 

    “Infelizmente, essa questão tem pouco peso na campanha do Lula e de seus aliados. Diria quase a mesma coisa com respeito aos dois outros valores que Bolsonaro e toda a “nova direita” do mundo alardeia: Deus, Pátria e Família, a trilogia do Integralismo que a velha esquerda não quer ver nem pintada. E, no entanto, é por aí que a nova direita está mobilizando as massas no mundo e também no Brasil”.

    “E note-se como é fácil para um candidato da nova direita, como Bolsonaro, apresentar à massa eleitoral essa tríade: ele rezando (Deus), com a bandeira do Brasil (Pátria) e com Michelle ao lado (Família), três cenas de comoção garantida e atração irresistível para o povão. Quem pode ser contra a reza, a bandeira verde-amarela e uma esposa (sobretudo, se é bem feminina)?”

    “Os intelectuais podem falar o que quiserem contra esse populismo de direita. Mas que funciona, funciona. E é isso que importa à direita, e acho que deveria importar também à esquerda, sem ofensa à ética, pois dá perfeitamente para defender essas três bandeiras, outrora integristas, como valores morais, à condição, contudo, de não serem excludentes: dos sem religião, das outras pátrias e dos LGBT+respectivamente”.

    “Mas mesmo que ganhe o Lula, o que as pesquisas indicam,  a questão das três bandeiras acima permanecerá. E os bolsonaristas continuarão a agitá-las, como as está agitando a nova direita em todo o mundo (veja Trump, Putin, Le Pen, Salvini et caterva). E é a “bandeira Deus”, sobre todas as outras, que ser vai mais politizada pela nova direita, e isso tanto mais quanto menos a velha esquerda digeriu essa questão e quanto menos atenção a própria Igreja, progressista ou liberacionista que seja, parece dar a mudança de Zeitgeist (do espírito do tempo), designado como pós-moderno.”

    O grande desafio da campanha da coligação ao redor de Lula/Alckmin, que é também das Igrejas cristãs históricas, principalmente da Católica, é como atrair estas massas, manipuladas e ludibriadas pelas igrejas pentecostais, para os valores do Jesus histórico, muito mais humanitários e espirituais do que aqueles apresentados pelos “pastores e bispos”, autoproclamados e verdadeiros lobos em pele de ovelha. Estes usam a lógica do  mercado, da propaganda e estilos que contradizem diretamente a mensagem bíblica e de Jesus, pois, utilizam-se diretamente da mentira, da calúnia, da fake news.

    Vale mostrar a estes seguidores das Igrejas pentecostais como Jesus dos evangelhos sempre esteve ao lado dos pobres, dos cegos, dos coxos, dos hansenianos, das mulheres doentes e os curava. Era extremamente sensível aos invisíveis e aos mais vulneráveis, homens ou mulheres, enfim, àqueles cujas vidas viviam ameaçadas. Vale muito mais o amor, a solidariedade, a verdade e a acolhida de todos sem discriminação,  como os de outra opção sexual, vendo nos negros, quilombolas e indígenas nossos irmãos e irmãs sofredores. Importa se solidarizar com eles e estar junto com eles para  fazerem o seu próprio caminho. 

    Esse comportamento vale muito mais que o “evangelho da prosperidade” de bens materiais, que não podemos carregar para a eternidade, e no fundo não preenchem nossos corações e não nos fazem felizes. Ao passo que os outros valores do Jesus histórico vão conosco como expressão de nosso amor ao próximo e a Deus e nos trazem paz ao coração e uma felicidade que ninguém nos pode roubar.

    Logicamente, importa desfazer as calúnias, rebater as falsificações e, eventualmente, usar os meios disponíveis para incriminá-los juridicamente.

    Vale sempre crer que um pouco de luz desfaz toda uma escuridão e que a verdade escreve a verdadeira página de nossa história.

    O Brasil merece sair desta devastadora tempestade e ver o sol brilhar em nosso céu, devolvendo-nos esperança e alegria de viver.

    Leonardo Boff escreveu Brasil: concluir a refundação o prolongar a dependência, Vozes 2018; O pescador ambicioso e o peixe encantando: a busca da justa medida, Vozes 2022.

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