• Histórias de diferentes gerações do montanhismo em Petrópolis

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  • Por Aghata Paredes

    Você sabia que depois do Centro Excursionista Brasileiro, no Rio de Janeiro, a segunda instituição de montanhismo criada no Brasil foi o Club Excursionista Petropolitano? Fundado em junho de 1931, o primeiro CEP contou com nomes como Atílio Parin, seu primeiro presidente; Rudolf Haack; os irmãos Oldemar e Eduardo Corrêa da Silva; Roberto Bauer; Arthur de Sá Earp Filho; Alcides Peixoto da Costa; Mario de Freitas; Arlindo Moreira Gomes; Heinrich Kugler; J.Schneider; Hugo Nietzsch; A.G.Leander; Raul Fioratti; Leon Kuhlberg e Adolpho Figueiredo Jr.

    Um dos primeiros registros que se tem da prática de montanhismo na cidade é o da subida à Pedra da Maria Comprida, em 1932. Os responsáveis por essa aventura foram Emérico Ungar, Conrad Berg e Schaut. Dois deles eram imigrantes alemães e, ao que tudo indica, trouxeram de sua terra natal o gosto pelas montanhas. 

    O primeiro CEP teve fim em 1939, provavelmente, com a Segunda Guerra Mundial. A sede era na Rua 13 de Maio, 252, atual Sociedade Coral Concórdia. Depois dele, foi a vez do Centro Excursionista Petrópolis, fundado em 1945. A sede era na Rua 1º de Março, 187, atual Roberto Silveira. O atual Centro Excursionista Petropolitano só nasceu apenas alguns anos depois, em 1958. 

    Foto: Divulgação

    A atual sede, na Rua Irmãos D’Ângelo, adquirida em maio de 1966, é o local onde pessoas apaixonadas pela prática do montanhismo se reúnem para trocar experiências e organizar suas atividades. Além de propor o desafio de caminhadas em trilhas ou escaladas em rocha, o grupo é sinônimo de perseverança e companheirismo, palavras que resumem muito bem as histórias das diferentes gerações do montanhismo em Petrópolis.

    Exemplos para as futuras gerações

    Foto: Divulgação

    Ver essa foto sem sorrir é um desafio. O trio, formado por Luiz Carlos, Paulo Lúcio e Endre, teve grande importância para o desenvolvimento do montanhismo em Petrópolis. Juntos, eles concluíram o Curso de Guia em 1959, ainda sem terem completado a maioridade. 

    Segundo informações do CEP, Endre se destacou nas caminhadas, desbravando trilhas e travessias por todo o Brasil. Já Paulo Lúcio tornou-se um exímio escalador, abrindo as principais vias de escalada em Petrópolis nos anos 60. Vias que se tornaram referência, devido à sua técnica sem precedentes até então, tendo o amigo Vogel como seu maior companheiro de conquistas e exímio escalador de chaminés. 

    “Com muita raça e determinação, não havia desafio que os impedissem de subir pelas paredes de granito. Todos os obstáculos naturais eram superados, fendas, fissuras chaminés, aderência ou artificial, tudo isso numa época em que os equipamentos eram precários e difíceis de obter. Todo o esforço desse trio incentiva e inspira escaladores de todo o tipo. Posteriormente, alguns se destacaram e se tornaram os maiores conquistadores de vias de escaladas do Brasil, até o momento, ou seja, a história viva de um legado para o montanhismo brasileiro.”, conta a presidente do CEP. O trio foi homenageado no mês passado, no aniversário de 64 anos do clube. 

    Parte importante da vida

    “O CEP é o tipo de ambiente que só quem está ali dentro, convivendo regularmente com tantos amigos e participando de tantas atividades intensas e memoráveis, é que entende o quanto o clube se torna parte importante de nossas vidas. Durante a semana, a gente se encontra para programar a próxima atividade ou para conversar sobre como foram as excursões anteriores; e nos finais de semana, atividade intensa nas montanhas. Essa rotina – que de rotineira não tem nada – torna-se viciante, mas no melhor sentido da palavra, é claro!”, conta Luciano Bender, sócio do CEP há 30 anos. 

    Ao longo de cerca de três décadas dedicadas à prática do esporte, Luciano reúne inúmeras histórias e conquistas, espalhadas pelo Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Ao relembrar de algumas, o montanhista é enfático e diz que carrega histórias  daquelas de contar para os filhos e netos. “Lembro de uma vez, no final da década de 90, em que tivemos que dormir pendurados em uma parede na Serra Velha. Estávamos conquistando uma rota inédita na Pedra do Cortiço. Nessa ocasião, enquanto estávamos literalmente pendurados, apareceram alguns policiais na base da montanha. Sem entenderem muito bem o que estávamos fazendo ali, como morcegos presos à rocha, disseram terem sido acionados e nos perguntaram se estávamos bem. Ao nosso sinal positivo, foram embora. Em outra ocasião, ali também na Serra Velha, fomos abordados por um grupo de bombeiros militares, que foi até a base da montanha – conhecida como Cabeça de Negro. Moradores da localidade avistaram nosso “portaledge” (platô-barraca portátil que fica pendurado na parede) e, visto de longe, pensaram que era uma asa-delta agarrada à pedra. Perguntaram-nos se estávamos bem e, em seguida, também foram embora.”

    Geração Kichute 

    Foto: Divulgação – Jeferson Monteiro no cume da Agulha do Diabo, com equipamentos que ele mesmo fabricava. Década de 80. 

    Influenciado pelo pai, que foi sócio do CEP no ano de sua fundação, Jeferson Monteiro entrou no grupo em 1981. “Em 1982, fiz o  Curso Básico de Escalada. A última aula foi no Dedo de Deus. Fomos apelidados de geração kichute, já que utilizávamos o sapato com as travas dianteiras cortadas.”, conta o esportista. Na época de Jeferson existia uma enorme dificuldade para importar equipamentos. Sendo assim, muitas adaptações foram feitas com materiais brasileiros.

    Jeferson guiou e ministrou cursos de escaladas e montanhas na região, além de ter participado de diversas conquistas no Brasil (Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito do Santo), e na Cordilheira dos Andes (Argentina, Bolívia e Chile). Atualmente, ele atua no Corpo de Guias do CEP, no Conselho Técnico da Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro (FEMERJ), e  na manutenção da Via normal da Maria Comprida.

    Valeu a pena 

    André Ilha, o brasileiro com o maior número de novas vias de escaladas, quase 700 em diversos estados, relembra sua história com o CEP e o montanhismo. “Quando entrei no CEP, aos 14 anos, eu tinha a expectativa de praticar uma atividade bacana, claro, mas não imaginava que aquilo mudaria a minha vida ou me proporcionaria momentos tão inesquecíveis, daqueles que só se vivem na montanha. Certas qualidades só aprendi com os velhos guias do clube e elas acabaram me sendo valiosas em outros aspectos da vida: companheirismo, persistência, manutenção da calma em situações de estresse, ponderação na tomada de decisões. Tenho agora quase meio século intenso de caminhadas e escaladas e vejo que valeu tudo muito a pena. Enquanto conseguir me levantar da cama, pretendo continuar subindo montanhas.”

    Pioneirismo petropolitano

    Foto: Divulgação

    Para praticar o montanhismo são necessários muitos equipamentos específicos. Sobre isso, Petrópolis ocupa um lugar de destaque. Você sabia que alguns dos primeiros equipamentos fabricados no Brasil nasceram em terras petropolitanas? Aliás, a cidade abriga uma das maiores empresas do gênero do país. E tem mais, o primeiro Guia de Escaladas de Petrópolis foi publicado em 2004, e o de trilhas, em 2008. Motivos de orgulho para a cidade, não é?

    Trabalho sério

    Além de todas as atividades amplamente conhecidas, o CEP é filiado à Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro (FEMERJ), e indiretamente à Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME) e à União Internacional de Associações de Alpinismo (UIAA). Além disso, o Centro Excursionista Petropolitano faz parte do Conselho Consultivo da APA-Petrópolis, do Refúgio de Vida Silvestre Estadual da Serra da Estrela (REVISEST) e da Reserva Biológica de Araras.

    Foto: Divulgação

    Questionada sobre o que enxerga de mais bonito na atuação do clube, Letícia Leal, presidente do CEP, diz que é a amizade e o companheirismo que atravessa gerações.  “Como atual presidente do CEP, o que vejo de mais bonito na atuação do clube, além da prática consciente, ética do montanhismo e a constante atividade de proteção ao meio ambiente, é a amizade e o companheirismo que perpassa diversas gerações consolidadas pelo montanhismo. Todos os que passam pelo CEP têm a sua vida tocada pela vontade e necessidade de ter contato com a natureza preservada.”

    Sobre o reconhecimento do Montanhismo como Patrimônio Imaterial de Petrópolis, Letícia comenta que a notícia foi recebida com muita alegria pelo grupo. “É um reconhecimento que transcende a mera atividade física em ambientes naturais, é todo um conjunto de expressões, representações, conhecimentos e técnicas que devem ser preservados.”

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