• A folha em branco e o pontinho preto

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  • 28/03/2020 07:00

    Ainda me lembro bem da década de 1990 e dos jornais de circulação nacional como o Globo, o Estadão e a Folha de SP. Naquela época, eu morava do Rio de Janeiro, e assinava mais de um jornal. Em determinado momento, pensei em assinar a Folha. E ainda me lembro bem da razão de não ter feito a assinatura. Minha restrição era quanto ao modo de dar uma notícia no modelo Folha, que se mantém até hoje.

    Anos depois, em relação à recusa, me veio à mente a imagem do pontinho preto numa folha completamente em branco. A técnica da Folha é, com frequência, transmitir ao leitor a impressão de que a folha em branco está tomada por um imenso borrão preto. Ou seja, carrega excessivamente na tinta, e acaba traindo a realidade dos fatos. 

    A Folha parece levar ao extremo a seguinte tirada do sarcástico   Millôr Fernandes: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos & molhados”. Mas seus editores e jornalistas deveriam se lembrar do que o mesmo Millôr escreveu de modo duro sobre a própria imprensa: “É lucrativa quando deveria apenas ser autossuficiente, apressada e leviana nos momentos em que deveria ser medida e ponderada, prepotente no exato momento em que ataca a prepotência – como é prepotente!”.

    A hora vivida pelo País jamais precisou tanto de comedimento e ponderação, e de bem menos prepotência. Um efeito colateral desse tipo de imprensa focada no pontinho preto pode ser aferido na edição de O Globo, de 24.3.2020. Em linhas gerais, o governo vem tomando as medidas corretas, como reconhece, na mesmíssima edição do jornal, o infectologista Edimilson Migowski sobre o que vem ocorrendo no Rio.

    Acompanhe, caro leitor, os comentários de cinco colunistas sobre o artigo 18 da MP 927. Tudo aconteceu de um dia para o outro. E a correção foi logo feita. O próprio presidente Bolsonaro, face às críticas, afirmou: “Determinei a revogação do art. 18 da MP 927 que permitia a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses sem salário”. O ministro Paulo Guedes completou: “Foi mal redigido mesmo. Aí o presidente vetou (…) Ele falou: ‘Reescreve e manda de novo, porque o que não dá é a gente ficar levando pancada de graça’”. E assim foi feito.

    Merval Pereira e quatro outros colegas trataram essa situação específi-ca como se fosse uma comédia de erros, título, aliás, de sua coluna, que resume bem seu mote. Carlos Andreazza usou o título “Bolsonaro corre atrás”. A despeito de reconhecer que o governo recuou de pronto, taxou o episódio como bateção de cabeça. José Casado, sempre cuidadoso, nesse caso se excedeu já no título: “O alto custo da inércia política”. Um governo que tem um ministro da saúde como Mandetta não está inerte. Míriam Leitão, sempre ela, se trai no título “Improvisos e falta de comando”. Na visão dela, a confusão da MP do contrato de trabalho foi mais uma prova disso. Carregou nas tintas, como seus colegas. Por fim, Bernardo Mello Franco, mais uma vez, se perde. “Perdidos na pandemia” é o título de seu curto texto. Taxa de perdido um governo que tem ministros como Paulo Guedes, Tarcísio Gomes e Mandetta!            

    Resumo da ópera: tempestade em copo d’água sabor conluio. 

    Quanto ao recente pronunciamento do presidente, em 24.3.2020, ele precisa, com urgência, de um ghost-writer. Alguém capaz de pôr em palavras certas suas boas intenções sem seus arroubos desfocados.  É preciso neutralizar as interpretações tipo pontinho preto de pessoas e grupos nada confiáveis em matéria de preservação do interesse público. E preservar as várias figuras competentes de sua equipe de ministros, fiéis ao compromisso com o bem comum. Falar menos os ajudaria muito.  

                         

     

     

     

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