• A (eterna e cansativa) questão militar

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  • 21/05/2022 22:39
    Por Gastão Reis

    Os últimos acontecimentos em torno das urnas eletrônicas, seus defensores e detratores, trazem à tona a velha e cansativa questão militar que nos persegue desde 1889. No dia 26 de maio corrente, quinta-feira, às 19 horas, no Salão Nobre da Universidade Católica de Petrópolis – UCP, tomarei posse na cadeira nº 3, Euclides da Cunha, que me permitirá falar sobre o autor de “Os Sertões”, livro hoje de merecido renome nacional e internacional. E, assim, ter a oportunidade de tecer comentários sobre Euclides nos planos literário, histórico e político, buscando as lições que dele podemos tirar. Após a posse, lanço meu terceiro livro “História da Autoestima Nacional – Uma investigação sobre monarquia, república e preservação do interesse público”. Bem vindo(a)s.

    Existem frases que se tornaram célebres pela densidade de significado de que são portadoras. (De Shakespeare, nos momentos difíceis, é sempre bom relembrar aquela em que nos diz “Doces são os usos da adversidade”.) No caso em tela, cabe recorrer ao grande Joaquim Nabuco, em carta, de 1895, ao Alte. Jaceguay, em que afirmava: “A razão aconselhava que a dinastia e a força armada se entendessem, se unissem, reciprocamente se apoiassem, animadas como eram do mesmo espírito de abnegação e patriotismo. Em vez disso, infelizmente o Exército preferiu destruir a sua aliada natural e começar a sua própria evolução política, perigosa sempre para instituições militares”.

    As análises da mídia, escrita, falada e televisionada, com frequência tem a trava do curto quando não é do curtíssimo prazo. Assim como minha tribo dos economistas sofre do excesso de suposições nem sempre adequadas. O texto acima de Nabuco mereceria uma tese. Vejamos algumas implicações antevistas por ele quando o escreveu. Só assim é possível entender, do ponto de vista histórico, as atuais agruras políticas brasileiras.

    Tomemos a luta contra as oligarquias, aquele tipo de governo de poucos para poucos. Mas também reconhecer que governos conservadores não estão necessariamente a serviço do atraso. Pedro II e Isabel deram provas sobejas de que estavam do lado certo nas grandes questões nacionais. O simples fato de o país ter tido, ao longo de meio século, uma taxa de inflação média anual entre 1 e 1,5% é a prova cabal de que nunca aceitaram conviver com a inflação alta, o pior imposto que se pode impor aos mais pobres. Já a experiência republicana usou e abusou desse expediente nefasto e socialmente injusto.

    Quando Nabuco se refere à importância de a força armada e a dinastia se darem as mãos, ele nos abre as portas para entender como a luta contra as oligarquias se enfraqueceu com o golpe militar de 1889. É como desprender o grampo de segurança na escalada de uma montanha. As revoltas tenentistas da década de 1920 contra os desmandos das oligarquias do sudeste (Rio, SP e MG), esquecidas do resto do país e do próprio povo, põem à mostra a falta que fez a aliada natural de que nos fala Nabuco. Contraditoriamente, foi a própria força militar que retirou o grampo de segurança. No passado, todas as leis abolicionistas foram passadas por gabinetes conservadores em que a influência de Pedro II e Isabel teve papel preponderante.

    Nas grandes democracias europeias e nos países de língua inglesa, o firme controle civil dos militares é artigo de fé de que não abrem mão. No Império, os ministros da Guerra e da Marinha eram cargos normalmente ocupados por civis. A Missão Francesa, que esteve entre nós de 1920 a 1940, ia nessa direção quando pregava em seus cursos aos nossos militares que a força armada deveria se comportar em política como o grande mudo. O famoso general Góis Monteiro, na época ainda jovem oficial, pôs essa diretriz em letra de forma. E assinou em baixo. Depois, virou casaca.

    Não vai aqui nenhum preconceito em relação a militares. Pelo contrário, o importante é colocá-los no seu devido lugar. Não se chama um advogado para cuidar de uma dor de dente aguda. Não funciona convocar militares para cuidar de política e economia, assuntos estranhos à sua formação.

    Ainda me lembro, na minha juventude, nos livros escolares de História, havia sempre uma seção dedicada a “explicar” o surgimento da república no Brasil. Uma das primeiras razões era o fato de sermos a única monarquia cercada por repúblicas na América Latina. Ficava subentendido que elas estavam à frente. E que era mister seguir no mesmo caminho. Na verdade, os países à nossa volta já tinham problemas de censura à imprensa, intervenções militares e golpes de Estado e o fatídico regime presidencialista desde o início do século XIX, quando se tornaram independentes. Pouco ou nada a copiar.

    O caso brasileiro era diferente, pois o arcabouço político-institucional herdado de Portugal (que o mantém ainda hoje) era de cunho parlamentarista, em que um gabinete só permanecia no poder enquanto gozasse da confiança do Parlamento ou do monarca. Esse processo permitia, através do poder mode-rador, a troca do partido no poder via eleições sem derramamento de sangue. Karl Popper foi ao âmago da questão, em todo lugar e época, ao alertar que o fundamental era que um mau governo durasse pouco.

    E foi assim que, ao perder tais dispositivos legais, que nos irmanamos no desvio de rota do presidencialismo latino-americano, onde um governo desmoralizado pode continuar no poder porque o mandato ainda não acabou. Ou então sofre um golpe militar ou o complicado processo de impeachment. O lamentável no caso brasileiro foi conferir aos militares o papel de poder moderador, uma função que lhes é espúria e contraindicada. Coisa que as grandes democracias do mundo ocidental não aceitam de forma alguma.

    No meu livro mencionado no primeiro parágrafo, eu proponho que as academias militares no Brasil passem a ter, na formação de seus cadetes, uma cadeira com o título de “História das Intervenções Militares na América-Latina”. A ideia é que absorvam o quão negativo foi o saldo dessas intervenções e golpes militares na região. E fiquem vacinados contra a tentação em seu foro íntimo, como já o era o Duque de Caxias em seu repúdio ao golpismo. Obviamente, isso requer uma reforma político-institucional que coloque os eleitores no comando dos políticos ao invés do que é hoje, em que são massa de manobra.

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