• A economia para crianças de John Maynnard Keynes

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  • 13/abr 08:00
    Por Leonardo Boff

    Nos dias atuais devido à subversão feita por Donald Trump em todos os mercados mundiais, o assunto dominante é a economia e os efeitos das políticas tarifárias impostas por ele. São medidas tresloucadas, aplicadas a toda a humanidade, a 180 países, desestruturando as economias nacionais e prejudicando particularmente a população pobre. Só gente sem coração e sem qualquer senso de humanidade pode tomar medidas desta natureza.

    É neste contexto que me refiro ao pai da macroenomia, John Maynard Keynes (1883-1946). Considerado um dos maiores economistas dos últimos tempos, cuja função do Estado, para ele, é o de ser promotor do desenvolvimento, ajudou a tirar a Europa da devastação da segunda-guerra mundial e deu rumo à economia mundial. Não via a economia como algo absoluto em si, mas no conjunto das atividades humanas. Mostrou-se muitas vezes um radical humanista e como tal com forte carga utópica.

    Refiro-me a um texto muito pouco citado. Numa palestra em 1926, dizia: “as divindades que presidem a vida econômica não podem ser outra coisa que gênios do mal; dum mal necessário que ao menos, daqui há um século (até 2028), nos obrigará a fazer crer a cada um e a nós mesmos que a lealdade é uma infâmia e que a infâmia é a lealdade, pois a infâmia nos é útil e a lealdade não”. Em outras palavras, – completava – “a humanidade chegará ao consenso de considerar a avareza, a usura e a prudência como indispensáveis para nos tirar do túnel da necessidade econômica a nos levar à luz do dia”.

    “Só então se alcançará o bem estar geral e será o momento em que nossas crianças e esse é o sentido do meu ensaio ‘Perspectivas econômicas para nossas crianças‘ finalmente compreenderão que o bem é sempre melhor que o útil”.

    “Então nem precisam mais se lembrar de certos princípios, os mais seguros e os menos ambíguos da religião e da virtude tradicional: que a avareza é um vício, que é maldade extorquir os benefícios da usura, que o amor ao dinheiro é execrável”.

    “Os que caminham seguramente pelo caminho da virtude e da sabedoria serão aqueles que se preocupam menos com o amanhã. E uma vez mais chegaremos a valorizar mais os fins que os meios e a preferir o bem ao útil.  Honraremos aqueles que nos ensinaram a acolher o momento presente de maneira virtuosa e prazerosa, pessoas excepcionais que sabem saborear as coisas imediatas, como os lírios do campo que não tecem nem fiam”.

    Mesmo que a proposta do humanista do eminente economista não se tenha realizado ainda (irá se realizar?), pois vivemos sob a ditadura do vil metal e da economia especulativa que nada produz a não ser mais dinheiro ainda, deixando grande parte da humanidade na pobreza e na miséria. Percerberá e isso vai continuar valendo que a essência da vida não está no acumular ilimitadamente e no consumir desmedidatamente. Mas o sentido da vida consiste em viver a vida, gozá-la, reproduzi-la, celebrá-la, compartilhá-la com outros. Isso não é dado pela economia vigente. Numa palavra, é o inútil que conta e não o que é economicamente útil.

    Seguramente o sábio humanista e economista Keynes nos tenha revelado a  verdadeira natureza da economia, compreensível mais pelas crianças do que pelos adultos.

    Hoje perdemos esta perspectiva e somos todos reféns da cultura do capital que nos obriga a gastar nossas vidas e nosso tempo em trabalhar, em produzir e em consumir no contexto de uma sociedade perversa, cujo ideal é a acumulação sem limite e o consumismo, sociedade que transformou tudo em mercadoria, até as coisas mais sagradas ou vitais como órgãos humanos.

    A seguir por este caminho, por mais tarifas que o ensandecido Donald Trump castigue a inteira humanidade, iremos, provavelmente, ao encontro de uma grande tragédia, eventualmente de nosso próprio fim. Merecidamente, pois, não cumprimos o fim para o qual temos sido criados: viver a vida e agradecê-la.

    **John Maynnard Keynes, Perspectives économiques pour nos petits-enfants, em Essais sur la monnaie et l’économie: les cris de Cassandre, Paris, Payot, 1971, p.140; L.Boff, Ecologia, mundialização e espiritualidade, Ática, SP, 1996.

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