
A distância entre a teoria e a prática
“Como dois e dois são quatro/ sei que a vida vale a pena/ embora o pão seja caro/ e a liberdade pequena.” Inicio este texto com os versos do poeta maranhense Ferreira Gullar que nos levam, pela poesia de Fernando Pessoa, à realidade que encontramos nas feiras e nas prateleiras dos supermercados.
O preço do “pão” não está dissociado do preço da “vida”. A luta pelo “pão” é também a luta pela “vida”. A sobrevivência não depende somente do ar que se respira. Alimentação e moradia também fazem parte da cesta básica do existir: o ar, precisamos respirá-lo de forma pura. O alimento precisa chegar a todos. E a moradia em local seguro é um direito inalienável.
A Língua também é uma pátria, por isso, a liberdade de expressão é uma bandeira dos Direitos Humanos. Sinto-me também um dos nativos dela. Fico triste quando a vejo usada de forma leviana. É preciso ter discernimento para não cair em canto de sereia.
Atados à realidade, temos mais condições para discernir o que é sonho e o que é esperança. E aqui trago mais versos: “nossas flores são mais bonitas/ nossas frutas mais gostosas/ mas custam cem mil réis a dúzia.” Esses versos do poeta mineiro Murilo Mendes, publicados entre 1925-1929, que nos remete à “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias, exalta a riqueza do nosso país, porém aponta para as dificuldades que temos para desfrutá-la.
No tempo de Gonçalves Dias, os nossos bosques tinham mais vida. Os peris e as iracemas eram mais felizes nas nossas florestas, pois não havia tanto desmatamento. O número de exilados brasileiros em nosso país era bem menor. Hoje o número de “invisíveis” cresce assustadoramente. Há muito “CPF” sem emprego fixo, sem carteira assinada. A “carestia” também se fala em versos com todas as letras da prosa.
Tenho, por hábito, a leitura diária de jornais impressos, além das informais que são expostas em site de notícias. Gosto de saber primeiro dos fatos para depois ler as opiniões dos analistas. Assim fica mais fácil o posicionamento crítico para descordar ou concordar com os argumentos expostos. Mas hoje aqui, quero assegurar-me apenas os meus cabelos brancos para dizer que as políticas assistencialistas têm data de validade. No início, há a euforia popular diante de medidas paliativas. Depois, vem a realidade para desnudar e expor as estéreis intenções eleitoreiras que não ampliam o mercado de trabalho, nem contribuem para o aperfeiçoamento da mão de obra. E assim, fica explícito o cabresto armado com os benefícios financeiros concedidos por gestores públicos em visíveis manobras eleitoreiras. Esta é uma das faces do populismo: diante do caos, caracterizar-se de salvador da pátria.
Em 2024, os três maiores bancos varejistas do país lucraram R$ 74, 8 bilhões, 31% a mais do que em 2023. Na quinta-feira passada (27/02), o Banco Central apresentou um resultado positivo de R$ 270,9 bilhões. Isso representa uma reversão, pois em 2023, houve um prejuízo no valor de R$ 114,1 bilhões. Diante desses números, salta uma pergunta: “quem perde para que as instituições financeiras tenham tanto lucro?”…
Juros e cobranças de impostos são os chicotes de um sistema econômico que coloca o lucro acima da vida. Considero uma forma de terrorismo inconsequente as ameaças sobre taxações de produtos importados com o propósito de desestabilizar a economia de um país. Também considero desumana a cobrança de juros altos para atingir metas de lucros das instituições financeiras. A agiotagem oficial é corrosiva, perversa.
– Como tirar de quem já não tem? Endividar uma população é colocá-la no corredor da fome.
Quando os índices inflacionários disparam, é comum eleger alguns produtos como “bode expiatório”. No momento, o “café” e o “ovo” estão na berlinda. Em outras épocas, foram “o tomate”, a “conta da luz”, o preço da “gasolina”. Raramente, a gestão econômica do país assume a responsabilidade pelo descontrole dos preços dos produtos. Por isso, é preciso que se diga, que a queda do poder aquisitivo da população menos favorecida não está ligada somente aos índices oficiais expostas pelos órgãos estatais. Há um governo paralelo que cobra ágio, pedágio, sobretaxam produtos, exploram trabalhadores e pequenos comerciantes que atuam em comunidades. Veja quanto custa um botijão de gás nessas localidades!
E aqui mais uma vez, recorro aos versos de Ferreira Gullar: “O branco açúcar que adoçará meu café/ nesta manhã de Ipanema/ não foi produzido por mim/ nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.”
– Há muito suor no açúcar, no arroz, no feijão, no alimento que está na nossa mesa.