• ‘A democracia está sendo atacada por dentro’

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  • 26/02/2023 08:50
    Por Fernanda Simas / Estadão

    Ataques à democracia, falta de independência entre os Poderes, tentativas de golpe e desmonte das instituições. Cenários comuns em diversos países, com governos de diferentes ideologias, que levam à disputa entre democratas e autocratas. “O que estamos vendo em todo o mundo é essa tendência de chefes de Estado fazerem as manobras e truques para permanecerem no poder”, diz o venezuelano Moisés Naím, colunista do jornal O Estado de S. Paulo e membro do Carnegie Endowment.

    Em seu novo livro, A Vingança do Poder, ele descreve a cartilha dos líderes que tentam minar a democracia por dentro do sistema e como isso é visto em diferentes regiões.

    A seguir, trechos da entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo.

    Quando o poder se tornou algo perigoso?

    O poder sempre é perigoso quando não tem contrapesos. Se o deixarmos sem contrapesos, sempre será ameaçador. Por isso, existem controles, filtros, regras, normas, algumas nas constituições. Outras, na cultura. Quando essas forças que contrapõem o poder são debilitadas ou ficam acobertadas pelas ações dos autocratas, temos o poder perigoso. Isso em diferentes países.

    A dualidade esquerda-direita mudou para democracia-autocracia?

    Com certeza. Essa é a história. Já não me importa se é direita ou esquerda, norte ou sul. O que importa é se alguém é democrata e respeita os pesos e contrapesos, as instituições, sem abusar do poder e sem fazer manobras para ficar nos cargos públicos por mais tempo do que o determinado pela eleição. O que estamos vendo em todo o mundo é essa tendência de chefes de Estado fazerem as manobras constitucionais, truques necessários para permanecerem no poder. Isso sempre existiu, mas agora se tornou mais viável.

    A ideologia saiu do centro da disputa, mas ainda é usada por esses líderes?

    Esses líderes são muito eficazes vendendo esperança, expectativas, anunciando que vão acabar com as desigualdades. O mundo está cheio de problemas graves e há muito mais problemas do que soluções. O que estamos vendo é a busca por esse homem ou mulher que vá resolver tudo. Isso é o populismo. A essência dele é ter um grupo, uma casta e um povo que precisa ser salvo. Mas é tudo mentira. Outro ponto importante é a necrofilia política, o amor por ideias mortas, que já foram testadas mais de uma vez em diferentes países, em diferentes momentos, mas sempre terminam em mais corrupção, desigualdade, pobreza, sangue, suor e lágrimas.

    Pode dar um exemplo?

    É fácil. O campeão mundial é a Argentina. Os argentinos nunca perdem a oportunidade de voltar a fazer o que já fizeram muitas vezes e não funcionou. Estamos vendo agora, como o governo de (Alberto) Fernández e da senhora (Cristina) Kirchner está fazendo tudo o que estava no menu em tempos atrás e sempre fracassou e empobreceu os argentinos.

    O seu livro fala de “três Ps”: populismo, polarização e pós-verdade. O populismo é o P mais importante para os autocratas?

    Os três Ps andam juntos, num mesmo pacote, e sempre existiram. Mas agora, ganharam uma potência que nunca tinham tido, porque têm o apoio da tecnologia. Antes, a propaganda era um instrumento de governos e grupos específicos. Agora, qualquer um desde sua casa pode emitir opiniões, ideias, propostas, agressões. Nunca antes fomos tão manipulados como com as redes sociais. Mas eu não me preocupo com o populismo, e sim com o continuísmo. O populismo por si só não é uma arma. A arma é o continuísmo.

    E como isso se aplica ao momento da América Latina?

    Uma das características da América Latina é a tendência daqueles que estiveram ou estão no poder de querer continuar. A política na América Latina se define por esses líderes e pelas “caras novas”, que dizem que tudo o que tem relação com a política é ruim. De forma geral, os eleitores têm demonstrado simpatia pelos novatos. Não importa que eles não tenham experiência. O que importa é que sejam figuras novas.

    Qual é o papel da mídia no combate a esse ciclo?

    Vivemos num tempo em que não sabemos mais o que significa a mídia. Estamos falando de um jornal ou de um influencer que tem 1 milhão de seguidores? A mídia não é mais uma instituição. Um indivíduo em sua casa pode escrever algo de pijama e milhares de pessoas o estão seguindo. Há também o sequestro dos meios de comunicação, que prestam serviço a essa batalha ideológica, como a família Murdoch, nos EUA, dona da Fox News. E temos ainda a perda de confiança por parte da sociedade. Todas as pesquisas mostram que as pessoas confiam cada vez menos no governo, nas Forças Armadas, nos políticos, nos jornalistas, em tudo. Só confiam em pequenos grupos de amigos, vizinhos, porque não sabem em quem acreditar. As novas tecnologias levaram a uma confusão grande e há muito interesse em criar ainda mais confusão.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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