A criação da pós-verdade
A linguagem me fascina. Tenho uma admiração pelas palavras. Mas, confesso que não despertei nenhuma simpatia pelo termo que a Oxford Dictionaries, departamento da Universidade de Oxford, responsável pela elaboração de dicionários, elegeu como a palavra do ano de 2016: “post-truth” (pós-verdade). Esse termo foi classificado como um adjetivo que “se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.
Mas um fato, tenho que admitir: as pós-verdades disseminadas no segundo semestre de 2016 e no início deste ano passaram longe da lógica e da coerência que a realidade exige. No entanto, ganharam espaços nos discursos políticos, principalmente em períodos eleitorais.
Paul Joseph Goebbels (1897-1945), político alemão, Ministro da Propaganda de seu país entre 1933 e 1945, já afirmara que “de tanto se repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade”. A essência dessa frase sintetiza o emprego de “pós-verdades”. É válido ressaltar que esse termo, com a definição atual, foi usado pela primeira vez em 1992, pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich.
O governo do presidente dos EUA, Donald Trump, tem se mostrado adepto da pós-verdade. No período de campanha, apresentou-se afinado com essa ideia de espalhar informações errôneas como verídicas: afirmou que Hillary Clinton havia criado o Estado Islâmico, que Barack Obama era muçulmano, que o Papa Francisco o apoiara. Depois de eleito, disse que, na sua posse, havia mais pessoas do que na posse de Obama. Falou que Hillary Clinton recebeu votos de imigrantes ilegais. Só que estes não votam.
Nessa linha de pós-verdade, uma assessora do presidente citado falou de um ato terrorista que não ocorreu em seu país, além de referir-se a um veto do ex-presidente Obama a refugiados iraquianos, que não ocorreu. Quando a verdade foi exposta, saiu com a ideia de “fatos alternativos” para justificar as inverdades.
Quando o cinismo se personifica, mentir faz parte da encenação. Os cínicos têm a capacidade de não demonstrar vergonha quando são desmoralizados, apresentam desculpas que não convencem, pois menosprezam a inteligência dos outros.
No Brasil, negar a verdade também já se tornou uma prática corriqueira. É comum ouvir, pelos telejornais, relatos de falcatruas investigadas pela Polícia Federal. Mas, quando os envolvidos são abordados pela equipe de reportagem, negam o que foi evidenciado. Dizem que irão provar a inocência. Esquecem que, contra fatos, não há argumentos. Os que já se conscientizaram que os fatos falam por si, começaram a colaborar com a justiça, fazendo delações para diminuir as penalizações impostas pela lei.
Antes do termo “pós-verdade” virar moda, a malandragem carioca já havia criado a palavra “caô”. O caozeiro é aquele 171 que aplica “o conto do vigário” com lábia afiada. E acha que sempre vai se dar bem. Mas há o momento em que se atrapalha e sofre as consequências dos golpes aplicados.
Com tantas rejeições logo no primeiro mês de governo, Donald Trump pode encontrar grandes dificuldades para governar à base de pós-verdades, porque não adianta criar cortinas de fumaça sobre a realidade. Um dia, ela vem à tona e coloca por terra toda a falsidade.
P.s: Lojas estão sendo saqueadas no Espírito Santo por causa da paralisação da polícia. Mas, pelos telejornais, não vi nenhuma livraria sendo saqueada. Quem ama os livros não faz isso.
– Que animal é esse que precisa de polícia para viver em sociedade?