• ‘A cooperação é a chave para a sobrevivência’, diz historiador

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  • 22/09/2022 08:00
    Por Maria Fernanda Rodrigues / Estadão

    De professor universitário em Jerusalém a intelectual-celebridade: Yuval Noah Harari conquistou leitores no mundo todo ao explicar, de maneira clara, como chegamos até aqui. Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, seu maior best-seller, Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã e 21 Lições para o Século 21 venderam juntos 40 milhões de exemplares em 65 idiomas.

    O historiador israelense começou a se aproximar dos jovens com a adaptação de Sapiens para HQ. Agora, ele quer falar com as crianças. Implacáveis: Como Nós Dominamos o Mundo, o primeiro volume de uma tetralogia voltada para leitores a partir dos 9 anos, os “futuros líderes”, acaba de ser lançado mundialmente. “Se alguém realmente vai mudar o mundo são as pessoas que agora têm 10 anos”, ele disse, nesta entrevista por e-mail ao Estadão.

    Por que contar essa história para crianças? Que alerta gostaria de deixar e quais perguntas gostaria que elas fizessem após a leitura?

    Eu gostaria de ajudar as crianças a descobrir e entender quem elas são. Em muitos países, as escolas ensinam sobre a identidade nacional delas. Isso é importante, mas não o suficiente. Os seres humanos são incrivelmente complexos, e nossa identidade nacional é apenas parte do que somos. Cada pessoa é feita de muitos pedaços que vêm do mundo todo. O dramaturgo romano Terêncio dizia: “Sou humano, e nada do que é humano me é estranho”. Isso é tão verdadeiro. Cada pessoa é herdeira de toda a criação humana. Mas quem somos nós é ainda mais profundo do que isso.

    Todas as invenções e ideias dos humanos nos últimos milhares de anos são apenas a camada superior de quem somos. Sob essa casca, nas profundezas do nosso corpo e mente, trazemos coisas que envolveram milhões de anos de evolução, de muito antes de os humanos existirem. O amor entre pais e filhos e o medo de monstros à noite, por exemplo, não foram inventados pelos humanos.

    Um dos objetivos, então, é conectar as crianças com sua profunda identidade como humanos e como herdeiros de milhares de anos de evolução. O outro é incentivá-las a continuar fazendo perguntas. Esse é um livro sobre as grandes perguntas, e as grandes questões, como “qual é o sentido da vida?”, surgem espontaneamente para a maioria das crianças. E há todos aqueles adultos querendo dizer o que devemos pensar sobre aquilo. E, no entanto, os adultos não sabem todas as respostas. Em um certo ponto da vida, muitas pessoas se cansam de perguntar as coisas importantes. Então elas se agarram a alguma história que lhe contaram, acham que essa é a verdade toda, e se aborrecem se os questionamos.

    Meu livro também não tem todas as respostas, mas espero incentivar as crianças a continuarem fazendo perguntas ao longo de sua vida, e a não ficarem com medo de questionar o que os adultos contam. Eu gostaria de ter sabido, aos 10 anos, que não havia problema em ser cético sobre as respostas que os adultos estavam tentando me impor. Poderia ter me poupado muitos anos de apego a fantasias prejudiciais e visões erradas. Se eu tivesse de fazer um alerta a elas seria: Cuidado com pessoas que lhe dão respostas que você não pode questionar.

    O que precisamos saber, e fazer, para estarmos neste mundo de uma forma mais responsável e empática? E como um livro como este pode ajudar?

    Quando olhamos para o mundo, vemos apenas ódio e divisão. E essas divisões surgem por causa de histórias que são relativamente novas. Nenhuma nação ou religião que existe hoje tem mais de 5 mil anos. E na escala de tempo da evolução humana, isso significa que essas histórias são desenvolvimentos muito recentes. E muitas vezes essas histórias, com toda a arrogância, medo e ódio que elas contêm, são como sacos pesados que as pessoas carregam nas costas e depois os passam para a próxima geração. Às vezes, precisamos fazer uma pausa, vasculhar esses sacos e pensar: “Precisamos mesmo continuar carregando todas essas coisas?”. Muito do legado que recebemos de nossos ancestrais é bom e útil. Mas alguns deles são prejudiciais ou desatualizados. Precisamos lembrar que podemos escolher o que manter e o que jogar fora. E é por isso que estudar história é importante. A história não é sobre lembrar o passado, mas, sim, sobre libertar-se dele para poder criar um futuro melhor. Por isso, como historiador, achei importante escrever esse livro para crianças. Porque se alguém realmente vai mudar o mundo não são as pessoas que agora têm 50 anos – são as que agora têm 10.

    Qual é, para o senhor, a questão mais urgente com relação ao futuro da humanidade? E como envolver as crianças na ação?

    Digo no livro que a cooperação é o superpoder da humanidade. Foi isso que permitiu nos espalharmos pela Terra, criar civilizações e até chegar à Lua. Cooperação é também a chave para a nossa sobrevivência no século 21. A humanidade enfrenta muitos e grandes problemas como o colapso ecológico, guerra nuclear, desigualdade global, pandemias e a ascensão da inteligência artificial. A humanidade também é muito poderosa, e temos o conhecimento científico e os recursos econômicos necessários para solucionar todos esses problemas. Mas desde que haja cooperação global.

    Infelizmente, em anos recentes, vimos um aumento acentuado nas tensões globais em vez da cooperação. Se essa tendência se mantiver, não seremos capazes de evitar a próxima pandemia, de brecar o aquecimento global, de diminuir as desigualdades no mundo ou de regulamentar a inteligência artificial. Isso também significa que o risco de uma guerra mundial está se tornando mais sério. Assim, a questão mais urgente com relação ao futuro da humanidade é se vamos conseguir relaxar as tensões internacionais e aumentar a cooperação global. Alguns líderes afirmam que essa cooperação contradiz a lealdade nacional. É um absurdo. Não há nenhuma contradição entre ser um bom patriota e cooperar com outros países. Porque patriotismo não tem a ver com odiar estrangeiros. Patriotismo é sobre cuidar dos nossos compatriotas. E há muitas situações, como quando tentamos evitar uma pandemia ou interromper o aquecimento global, que, para ajudar nossos compatriotas, devemos atuar junto com estrangeiros. Esse livro ensina às crianças que a cooperação é o superpoder humano, e que todos nós compartilhamos a mesma identidade humana. Espero que, quando os leitores crescerem e se tornarem líderes, eles se lembrem dessas lições.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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