A construção de um ano novo
Colocamos os pés em 2025. Sonhos, esperanças, desejos, aspirações pairam sobre o futuro. E, neste início da nossa reflexão, vieram, à mente, os versos do inesquecível samba-enredo de 1978, do Grêmio Recreativo Escola de Samba União da Ilha do Governador, “O Amanhã”, composição de João Sérgio: “Eu sempre perguntei/ O que será o amanhã?/ Como vai ser o meu destino?/ Já desfolhei o malmequer/ Primeiro amor de um menino…”
Inquestionavelmente, esse samba ganhou mais popularidade na voz da cantora Simone. Mas é uma delícia ouvi-lo na voz da divina Elizeth Cardoso. As manifestações artísticas, quando tocam a alma de um povo, eternizam-se…
Houve um tempo em que as margaridas eram mais desfolhadas nas indagações ao destino: “bem-me-quer, malmequer”. As idealizações amorosas inflavam o desejo de ter a pessoa amada à moda francesa de séculos passados…
Outrora, ciganas, cartomantes, jogo de búzios, mensagens zodiacais, realejos, citados no samba, ocupavam mais o espaço do imponderável. Hoje, com crescimento do ceticismo, o amor platônico ficou mais distante. E as fantasias se desfazem no aqui e agora. Isso já está assimilado na cultura popular que concebe a ideia de que “o amanhã a Deus pertence.”
É preciso atuar no agora, para que, nem tudo fique nas mãos da misericórdia divina. Não é prudente esperar acontecer. O interesse por previsões está mais atrelado à insegurança do que à esperança. Por isso que os gurus das antevisões são assediados para que façam revelações sobre o futuro. E quem faz uso desse recurso quer ouvir sempre o que lhe parece favorável.
O que atualmente vem se propagando como “proatividade” consiste em antecipar-se aos problemas, tomar iniciativas, propondo soluções para não ficar à mercê do acaso. O desejo sem luta é inócuo. O aspirar sem transpirar não leva a conquista alguma.
Os sins e os nãos do dia a dia funcionam como balizamento da nossa travessia. O discernimento provém de um processo reflexivo independente da cor da roupa usada na passagem de ano. A voz da consciência é ouvida com mais acuidade no silêncio da noite. O diálogo no travesseiro é que apascenta a alma, não está vinculado às superstições que se aglomeram nos finais de ano.
Acredito que nada está predeterminado. Nada está escrito nas estrelas. Acredito que o destino possa ser mudado em função das nossas atitudes. O ser humano é portador de uma característica que até Deus respeita: o livre arbítrio.
O homem é quem escolhe o caminho a seguir. A culpa é nossa. Não acredito que os astros sejam capazes de definir o bem ou o mal da nossa travessia por este Mundo. Acredito nas prevenções, nos calos das mãos, na construção do futuro pelos homens de boa vontade.
É importante acreditar em si, ter orgulho de criar, com as próprias mãos, o amanhã. Ter discernimento para escolher o caminho do Bem. O que se deseja pode ser construído com trabalho. Almejar a um futuro melhor é direito de todos. Unir forças para alcançá-lo depende da forma como se encara a vida.
Viver não é acumular bens, mas servir ao Bem. Nessa proposta, o desprendimento, a simplicidade ganham mais importância. Entre os homens, considero o amor como a escala e a escada do Bem. À medida que se ama sem interesses é que se caminha para uma vida em plenitude.
Amar, a cada dia, o que o dia oferece. Essa é uma forma de transformar “energia negativa” em “energia positiva”. Não é necessário preocupar-se com o porvir, o presente pode mudá-lo. O que se faz hoje se torna alicerce do amanhã.
Viver não é produzir como máquina. A vida não é empreendimento. A felicidade que tanto se deseja não está à venda em shopping center. Quem vive em função do vil metal tem mais chance de conhecer o preço da infelicidade.
A realidade é mantida por uma relação lógica entre causa e consequência: – como quem planta o mal pode colher o bem? Como quem não ama deseja ser amado? Concordei com uma grande amiga, quando me disse:
“Prefiro o exercício diário do pensamento em busca de respostas para questões que me rondam e podem mudar o rumo real de vidas. O que desejo, de fato, para o novo ano, é a possibilidade de ser mais e melhor; trilhar o caminho do crescimento, do entendimento, da busca e da colaboração mútua”.
E sempre que inicio um ano, gosto de reler os seguintes versos de Drummond: “Para ganhar um Ano Novo/ que mereça este nome,/ você, meu caro, tem de merecê-lo,/ tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,/ mas tente, experimente, consciente./ É dentro de você que o Ano Novo/ cochila e espera desde sempre. ”