A cidade que virou nó
Esta Cidade Imperial, espremida em vales estreitos, de ruas quase vielas, precisa se repensar. Outro dia, marquei. Levei 55 minutos para fazer 17 quilômetros da minha casa à casa da minha mãe. Mas já levei, em fins de expediente, hora e quarenta no mesmo trajeto. Quando voltei a morar aqui, após 30 anos fora, imaginei faria os trajetos de ônibus, dispensando o carro. Nada! Durou pouco a tentativa, depois de passar dias esperando em média 40 inexplicáveis minutos pelo ônibus na União Indústria, para penoso trajeto me equilibrando espremido em veículos sem manutenção, com ainda inaceitáveis quebras, que despejam – após nova espera – os passageiros em outra lata de sardinhas. Gente que mora, por exemplo, no Roseiral e trabalha no Quitandinha, relata epopeias de quase duas horas até a chegada ao lar em horário de pico. Um enguiço de, digamos, uma bicicleta, fecha a rua. O caminhão do lixo fecha a rua. A obra da CEG fecha a rua. Se alguém cuspir demais no rio, ele transborda e fecha a rua. Motoristas bandalheiros forçando acessos proibidos, fecham a rua. Empresas que usam a via pública como pátio de manobra de caminhões, fecham a rua. Uma cidade-nó. Que nos sufoca.
Por isso sou dos incompreendidos, tachados de lamurientos e autores de “mimimis”, que chega a ter taquicardia perto das grandes festas de que a cidade virou palco, para alegria dos que lhes têm acesso e tristeza da maioria que não consegue ir e vir. A Festa do Colono, por exemplo. Um amigo poeta saiu de táxi, do Centro para Itaipava, onde haveria um lançamento de livro. Depois de penosas e caras duas horas circulando em busca de saídas dos mil engarrafamentos, desistiu da epopeia. Pior, a cunhada que veio de Três Rios com a família para a Festa. Engolida pelo dragão do megaengarrafamento, ficou circulando como uma tartaruga de pneus, a família suando dentro do carro, em busca de uma vaga. Não encontraram. Acabaram indo a Quitandinha onde comeram num comida a quilo e foram embora jurando nunca mais voltar. Um taxista em São Paulo me contou de como trouxe de lá passageiros para a tal Festa e passou pela mesma situação, e ainda por cima, com fome. Após horas conseguiu vaga espremida na Rua Teresa e comeram na salvadora pensão que empreendedor oportuno improvisara na sala da própria casa. Voltaram sem conhecer a famosa Festa, para nunca mais retornar. Uma amiga que trabalhava na Casa de Santos Dumont resolveu ir a pé até ao Palácio de Cristal após o expediente. Queria comprar um strudel para o filho. Após uma meia hora de tentativa, desistiu do trajeto de cerca de um quilômetro, tamanha a torrente da multidão que transbordava as calçadas, despejava entre os carros e impedia a passagem. A pé.
Algo está errado quando essas coisas acontecem. Festas fazem muita espuma e deixam pouca substância. O sucesso de uma cidade se mede não pela fugaz satisfação de poucos (ou muitos, vá lá) turistas que acessam esta ou aquela festa, mas sim pela qualidade de vida que oferece a seus cidadãos. Estocolmo e Boston recusaram sediar Olimpíadas porque temiam, dentre outras coisas, o caos urbano do excesso de turistas. Veneza, Barcelona, Amsterdã, Santorini e outros destinos cobiçados aplicarão restrições de acesso para inibir a depredação de patrimônio e o desconforto dos habitantes prejudicados pela superlotação. Não sei o que fazer aqui, mas Petrópolis precisa urgentemente se repensar e desatar o nó em que se transformou.
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