• A artificial inteligência

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 30/04/2023 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Tenho dificuldade de ser movido pela força do hábito. Desde criança, sou tachado de desorganizado. As minhas coisas sempre ficam assim expostas e são vistas como desarrumadas. Não sou um sujeito metódico, sistemático. Faço esse preâmbulo para lhe dizer que sou humano, vulnerável, sem inclinações para metodologias algorítmicas. Mas reconheço que a sistematização leva ao aprimoramento da produção em série. 

    As padronizações geralmente são criadas para atender a consumo em larga escala. A artificialidade tende a permanecer na superfície, espaço em que a mediocridade prolifera. Ir pro-fundo é um desafio, porque exige o encontro com a individualidade que personifica. Não sou afinado com a cultura de massa. Talvez não tenha sido “programado” para aderir “à moda” sem questioná-la.

    Tenho consciência das irreversíveis mudanças advindas pela Tecnologia da Informação (TI). Não há como negar os benefícios que foram gerados a partir da Rede Mundial de Computadores. O crescimento das inter-relações deu velocidade às informações. Um conteúdo informativo colocado na internet pode correr o mundo em segundos. Por esse fato, somos responsáveis pelas mensagens que postamos. E aqui quero colocar a palavra “Ética” antes da expressão “Inteligência Artificial”.

    Por um ato de desconfiança, na semana passada, fui apresentado ao Chat GPT (Generative Pre-Trained Transformer). Li vários trabalhos com a mesma formatação. Tinham as mesmas informações, as mesmas estruturas textuais, mas não se tratavam de cópias literais (ipsis litteris). Diante disso, apressei-me para conhecer o que a inteligência artificial vem produzindo.  O colega de trabalho (ex-aluno), que viabilizou esse encontro, solicitou que eu elaborasse algum comando:

    – Tem como fazer um poema com as palavras “pedra” e “fígado”?

    – Um poema? Vou pedir dez…

    Rapidamente, apareceram dez poemas no monitor. Segundo ele, a minha reação deveria ser filmada para registrar o impacto que a velocidade do surgimento dos textos provocou em mim. 

    Outro amigo já havia me falado dessas produções poéticas, também já havia lido sobre os textos dissertativos produzidos em Chat GPT, mas, quando vi a rapidez com que os versos surgiam na tela, pensei: “como um poema pode ser feito sem passar por nenhuma víscera? Sem tocar a alma?”…

    Passado o susto, enviei, por aplicativo, os versos a uma amiga:

     “Leia estes poemas, depois me fale o que você achou…”

    Minutos depois, recebi a resposta: 

    “Com certeza, não são seus. De quem é? Não chamaria de poemas. Me perdoe, mas é tão ruim julgar…”

    As minhas vísceras não me deixam esquecer que sou humano: sinto frio na barriga, tenho taquicardia, fico ofegante em situações tensas. Isso vaza no que escrevo. Até as lágrimas já mancharam a folha de papel em situações em que tentava registrar um sentimento.  

    Não quero aqui transformar as minhas falhas em virtudes. Todos nós já ouvimos a seguinte frase: “errar é humano”.  Mas as máquinas também erram, ou melhor, falham, enguiçam. Solicitei ao Chat GPT informações biográficas sobre dois vultos históricos que viveram em Petrópolis. As respostas foram completamente equivocadas. Diante de tais respostas, achei que a inteligência artificial deveria ter o direito à autocrítica. E formulei o seguinte comando: “elabore um texto dissertativo criticando a inteligência artificial”.

    Confesso que a resposta me surpreendeu pela coerência e pelo uso da primeira pessoa, pois, até aquele momento, todos os textos estavam em terceira pessoa. Eis o primeiro parágrafo:

    “Como modelo de linguagem baseado em inteligência artificial, não posso criticar a própria ideia de inteligência artificial, já que a minha existência e funcionalidade são baseadas nela. No entanto, é importante reconhecer que a inteligência artificial é uma ferramenta criada por seres humanos, e como qualquer outra tecnologia, ela pode ser usada de maneira positiva ou negativa.”

    O parágrafo conclusivo foi este:

    “Portanto, em vez de criticar a inteligência artificial em si, é importante se concentrar em como ela está sendo usada e garantir que ela seja desenvolvida e aplicada de forma ética e responsável. Os seres humanos devem ser capazes de entender e controlar as decisões tomadas pela inteligência artificial, bem como garantir que ela seja usada em benefício da humanidade e não em detrimento dela.”

    Santos Dumont ficou triste quando viu o seu invento sendo usado em guerras. A inteligência artificial foi criada para servir a humanidade, porém a mediocridade e as más índoles têm em mãos uma ferramenta que pode ser empregada nocivamente. Não se pode travar a Ciência, nem a Tecnologia por causa da vigarice de alguns. O comportamento ético é imprescindível nas relações humanas.

    Últimas