‘A agenda em discussão hoje é do Brasil velho’
O economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, não esconde a frustração com o momento atual da economia brasileira. Apesar da recuperação global mais rápida que a esperada após a pandemia da covid-19, a pauta do Congresso está carregada de medidas preocupantes que agravam os problemas estruturais da economia brasileira, ampliam as incertezas e trazem volatilidade ao mercado, diz. Para ele, podemos até ter um momento melhor no curto prazo, um ano um pouco melhor, mas a perspectiva é de um País medíocre. “A agenda legislativa hoje é o Brasil velho. A promessa pode ser de uma agenda modernizadora, mas sempre carregada de jabutis e mais distorções na economia, que prejudicam o crescimento do País”, diz ele, depois de uma semana em que os indicadores tiveram piora significativa como resposta aos movimentos do governo e do Congresso que aumentaram as incertezas para 2022.
O Brasil vive um momento de inflação e dólar altos e juros em processo de elevação. O que está acontecendo com a economia?
Tem duas coisas acontecendo. Por um lado, o impacto da pandemia foi muito menor nos principais países do que o esperado no começo. Foi impressionante, sobretudo, como o setor formal se ajustou ao trabalho remoto com rapidez, e a recuperação veio muito bem. Essa é uma boa notícia para o País e para as contas públicas. Além disso, resultou também nessa alta do preços das commodities (produtos básicos, como minério de ferro, petróleo e alimentos), que é mais uma boa notícia para o Brasil. Tem uma segunda notícia que não é boa, que é a inflação. O Brasil tem um problema de inflação mais sério e isso ajudou as contas públicas. Não é uma maneira saudável, mas ajudou. O que está acontecendo é que, apesar disso, estamos com uma pauta carregada de medidas preocupantes para a frente e que repete os tradicionais problemas brasileiros de muito tempo, mas que estão se agravando.
De que forma?
O Brasil tem o Estado capturado por grupos de interesse e o que preocupa é uma série de medidas que vão na direção de agravar essas distorções, podendo prejudicar, em particular, as contas públicas para os próximos anos. A incerteza sobre a trajetória fiscal para os anos à frente vira essa volatilidade dos preços. Essa é a primeira parte da história. A segunda é que, quando a gente vê a agenda legislativa em discussão hoje, é do Brasil velho. A promessa pode ser de uma agenda modernizadora, mas sempre carregada de jabutis e mais distorções na economia, que prejudicam o crescimento. É um País que cresce pouco há 40 anos e, em vez de ter uma agenda para ajustar essas distorções, estamos tendo uma agenda que preocupa e vem agravando os problemas estruturais do País.
O que é mais preocupante entre essas medidas?
O problema é o conjunto da obra. Algumas propostas podem ser sedutoras pelo que prometem, mas os problemas estão nos detalhes, que é onde ocorre a captura dos Estado por parte dos grupos de interesse. Vou dar um exemplo: a questão do Imposto de Renda. Uma série de grupos simplesmente fala ‘olha, eu não quero pagar imposto de renda como pagam os trabalhadores no Brasil’. Esse é o caso de muitos profissionais liberais com empresas no lucro presumido (um regime simplificado muito usado por médicos, advogados, economistas e contadores, por exemplo). Têm renda de alguns milhões por ano e pagam uma alíquota de imposto muito menor do que quem tem carteira assinada.
O Congresso não está preocupado com a opinião da sociedade?
É o contrário. Acho que está bem preocupado com os grupos de interesse que se mobilizam. E muitos deputados repercutiram e apoiaram as demandas de profissionais liberais para preservar seus privilégios tributários no lucro presumido. Vale lembrar que muitos desses grupos estão no 1% mais rico do País, mas pagando bem menos IR que os demais.
Além do IR, qual outro exemplo?
O caso da Eletrobras (estatal focada na geração e distribuição de energia). Capitalizar a empresa era uma boa iniciativa. Mas durante o processo de aprovação apareceram bilhões de reais de pedidos de favorecimento que foram atendidos. E um desenho em que o gás vai ter de viajar até o interior para depois viajar de novo para as regiões que mais consomem energia. Claro que quem faz gasoduto deve estar bem feliz. Mas isso também significa que nossa conta de energia vai ficar mais cara do que seria necessário.
Como avalia a ação do governo na condução dessas propostas?
Muito distante. Esse é o ponto. O governo faz grandes anúncios e, quando se vai ler os projetos de lei, eles decepcionam e, em muitos casos, assustam. A impressão que fica é que o governo abandona os projetos depois de encaminhados ao Congresso, onde ocorre uma disputa miúda para atender a grupos de interesse. E, a maior parte do governo, não todos obviamente, parece descuidar da gestão pública. Veja o caso da energia. Temos problemas antigos, bem conhecidos e com propostas de reformas. O que avançou nesses dois anos? Fortalecemos as agências reguladoras? A seca pode ter surpreendido, mas isso ocorre eventualmente. A regulação deficiente não permite corrigir os riscos da hidrologia (escassez de chuvas). O resultado é o preço da energia bastante alto e o risco de falhas no sistema, se continuar assim.
Com esse cenário, como acha que será 2022, ano de eleições?
Eu vejo com preocupação, e também para os próximos anos. Não conseguimos entrar nessa agenda de reduzir as distorções. Pega o exemplo dos precatórios (dívidas da União com pessoas físicas, jurídicas, Estados e municípios reconhecidas em decisões judiciais definitivas). Eles vêm crescendo significativamente há anos, mais de 110% acima da inflação entre 2013 e 2021. Além disso, tem uma ação que a União perdeu já algum tempo, que é do Fundef (fundo para o desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério, que vigorou até 2006). Houve problema de gestão para tomar as medidas para lidar com um problema há muito conhecido.
De que forma o debate eleitoral antecipado piora esse ambiente?
Tem uma decepção de quem achava que uma agenda (de reformas) iria andar. Tem o lado que a perspectiva de longo prazo do País, de crescimento, é muito frágil. Podemos ver algo melhor no curto prazo, um ano um pouco melhor, mas a perspectiva é de um País medíocre. Se o governo conseguir botar ordem na agenda de medidas paroquiais em discussão no Congresso, podemos ter uma recuperação, reduzir o risco que aparece nos preços. As commodities estão favorecendo, a reação à pandemia no mundo foi muito melhor do que o esperado. Mas a perspectiva de longo prazo não é de crescimento sustentável elevado.
O empresariado que apostou nas reformas e na modernização da economia no governo Bolsonaro, como está?
Sempre achei que havia certa inconsistência entre as promessas e as medidas, as propostas. Quem sabe dessa vez se consiga, de fato, conhecer mais os detalhes e que a sociedade possa fazer uma aposta mais consistente para tirar o Brasil dessa longa estagnação e baixo crescimento. Agora, de novo, se cairmos na polarização “contra Estado e a favor do Estado”, “mercado versus Estado”, “teto de gastos e não teto”, continuaremos nesse debate superficial. Não cuidamos dos detalhes das medidas, das sutilezas da implementação, e depois nos surpreendemos com os fracassos. E isso vale para governos de ambos os polos que mobilizam o debate atual.
O que vai fazer isso mudar na eleição de 2022?
Tem frustração com o País. Vemos como está o câmbio, isso reflete a frustração que tem com o Brasil, um País que não consegue encontrar o caminho do desenvolvimento. Quem sabe isso leve a um caminho diferente do que temos visto até agora.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.