
13 de maio
Nos ombros do passado, não há como colocar cangalha para carregar fantasias. A realidade já respirada não deixa espaço para aspirações. “Um minuto que passa é um milagre que jamais se repete”. Essa frase, eu ouvia muito na década de 70, pela saudosa Rádio Relógio Federal, no Rio de Janeiro. Era uma emissora que transmitia a hora minuto a minuto. A minha avó gostava de ouvi-la. Eu, às vezes, entretinha-me com as curiosidades anunciadas sempre com a celebre introdução “você sabia…”
Naquela época, o rádio tinha uma penetração maior nos lazeres. Os celulares, os computadores estavam em fases embrionárias, ainda não consumiam o tempo das pessoas. Ainda não se falava em TikTok. O tic-tac era só do relógio no compasso do tempo.
Depois que li “A Hora da Estrela”, livro de Clarice Lispector, fiquei sabendo que a personagem Macabéa também era ouvinte assídua da citada emissora. Além da nordestinidade, tínhamos, em comum, um ouvido para o rádio. Ouvíamos:
“Você sabia: a mosca é um dos insetos mais ligeiros em voar e que se ela pudesse voar em linha reta, levaria 28 dias para a travessar o mundo todo.”
“Você sabia: um homem consome, em alimento, por dia, o equivalente a 2,5% do seu peso; o colibri, no mesmo período, consome 200 %.”
“Depois do Sol, quem ilumina o seu lar é a Galeria Silvestre, a galeria da luz”. Esse foi o anúncio que mais se popularizou nessa lendária emissora.”
Onde não há lembranças não há saudade. No 13 de maio passado, fiquei passeando por fatos históricos que foram ventilados na mídia: “Assinatura da Lei Áurea”, em 1888; a Aparição de Nossa Senhora em Fátima, Portugal, em 1917, a três crianças: Lúcia, Francisco e Jacinta.
Nesse referido dia, peguei para reler o livro “Diário do Hospício” de Lima Barreto. Lembrei que ele estaria completando 144 anos se estivesse vivo, pois nascera em 13 de maio de 1881, ou seja, antes da assinatura da lei que abolira a escravatura.
A distância entre a assinatura da mencionada lei e a instituição dela na realidade tem sido bastante longa, pois lamentavelmente, ainda hoje, tem-se notícia de pessoas exploradas em trabalhos análogos à escravatura. A promulgação de uma lei não impediu a execução do crime.
A exploração do homem pelo próprio homem é uma prática milenar. Que o trabalho enobrece, ninguém tem dúvida. Que o Estado deve garantir os direitos trabalhistas também não há dúvida. Contudo, não precisaria de uma fiscalização se todos tivessem a consciência de remunerar dignamente os serviços prestados.
Hoje há uma informalidade que se distancia dos registros trabalhistas. Há uma mão de obra que não é remunerada adequadamente, por isso não garante o mínimo para a manutenção de uma vida digna. Excluídos, invisíveis, famintos sempre existiram. A luta pela sobrevivência é primitiva. Há um ciclo que se repete ao longo da história da humanidade: a polarização da sociedade entre pobres e ricos.
É preciso ter noção da realidade para empregar a palavra “Democracia” em sentido pleno, pois não se restringe ao fato da liberdade de expressão. Sem ter o que comer, sem ter condições de trabalho, sem moradia, sem escola, sem hospitais, o povo não se vê em um país democrático, porque as desigualdades sociais ficam explícitas. Por isso, ele se sente exilado na própria pátria. A luta por um pedaço de chão é também para usufruir do direito de plantar, colher e ter o pão como fruto do próprio trabalho.
Quando olhamos para o passado, encontramos a nossa história alicerçada em um trabalho que não teve o devido reconhecimento, principalmente no período colonial. E aqui cabe mencionar um trecho do livro “Casa-Grande & Senzala” do mestre Gilberto Freyre, obra que retrata o processo de colonização pelo qual o Brasil passou:
“A igualdade de interesses agrários e escravocratas que através dos séculos XV e XVI predominou na colônia, toda ela dedicada com maior ou menor intensidade à cultura do açúcar, não perturbou tão profundamente, como à primeira vista parece, a descoberta das minas ou a introdução do cafeeiro. Se o ponto de apoio econômico da aristocracia colonial deslocou-se da cana-de-açúcar para o ouro e mais tarde para o café, manteve-se o instrumento de exploração: o braço escravo”.
Ainda hoje “o braço escravo” está na invisibilidade que alicerça o nosso País. Explorar pensionistas e aposentados, descontando ilegalmente impostos indevidos, consiste em uma crueldade institucionalizada por uma corrupção hedionda. A áurea da lei ainda precisa brilhar com justiça, reconhecendo a força que constrói uma nação.
– Você sabia que a fome mata mais que a guerra…