• No Rio, filhos cometem 25% dos crimes que ferem Estatuto do Idoso

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  • 02/10/2019 17:51

    No estado do Rio de Janeiro,  24,9% dos crimes previstos no Estatuto do Idoso, registrados no estado, foram praticados por filhos ou filhas das vítimas, segundo a pesquisa Dossiê Pessoa Idosa. Em sua quarta edição, o estudo, divulgado ontem (1º) pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão vinculado ao governo do Rio de Janeiro, reúne dados relacionados ao ano passado. O levantamento revela também que o delito foi praticado contra mulheres em 63,9% dos casos e contra homens em 34,1%.

    “Estamos falando de um quarto dos crimes sendo cometidos por filhos ou filhas. É uma relação muito próxima. Não estamos falando de um parente distante. Estamos falando de pessoas que, muitas vezes, são responsáveis pelo idoso”, disse Emmanuel Caldas, pesquisador do ISP e organizador do dossiê.

    Em vigor desde 2003, o Estatuto do Idoso tipifica diversos crimes contra pessoas acima de 60 anos. São estabelecidas penas, por exemplo, para casos que envolvam discriminação, abandono em hospitais ou casas de saúde, apropriação de bens e rendimentos, negativa do direito de contratar um serviço devido à idade, exposição a situação que coloque em risco a integridade física e psíquica e coação para obter uma doação ou assinatura de um contrato.

    O estado do Rio de Janeiro registrou, em 2018, 898 crimes que ferem o Estatuto do Idoso, uma média de 2,46 casos por dia. Em 70,6% deles, a ocorrência se deu dentro de casa. Isso significa que, além de filhos, outras pessoas próximas cometem esses crimes.

    A Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade, sediada no bairro de Copacabana, foi responsável pelo registro de 20% dos casos. Ela funciona nos dias úteis, das 8h às 17h. Vítimas e testemunhas também podem apresentar denúncias em outras delegacias ou por telefone, por meio do Disque 100.

    Código Penal

    Além dos delitos previstos no Estatuto do Idoso, o ISP reuniu no dossiê dados de crimes listados no Código Penal e cometidos contra idosos no estado em 2018. Entre eles estão extorsão, estelionato, furto ao transeunte, ameaça, agressão e homicídio. O levantamento revela que a maioria desses casos também ocorreu dentro de casa: 65,9% das 4.508 ocorrências de ameaça. Em 52,8% desses casos, o autor do crime são do convívio do idoso, como filhos, parentes, amigos, vizinhos, companheiros e ex-companheiros.

    Leia também: Dia do Idoso: envelhecer com qualidade de vida é possível

    Situação semelhante se observa nas ocorrências de lesão corporal dolosa. Houve 3.476 registros contra idosos no estado em 2018, quase 10 por dia. Em 61,3% delas, a agressão ocorreu dentro de casa e, em 54,4%, o agressor era do convívio. 

    A pesquisa também revela que os idosos foram as vítimas em 28% de todos os casos de estelionato e extorsão no Rio em 2018. O percentual é considerado alto pelos pesquisadores, levando em conta que as pessoas com mais de 60 anos correspondem a apenas 16,8% da população do estado.

    O dossiê também apurou elementos que permitem compreender o contexto dos crimes. No caso do estelionato, por exemplo, percebe-se ser mais recorrente nos 10 primeiros dias do mês, quando as pessoas costumam receber ou ir ao banco para pagar contas. É um delito que geralmente ocorre em dias de semana, diferentemente da lesão corporal dolosa, que geralmente acontece nos finais de semana.

    Gênero

    Assim como nos registros de crimes previstos no Estatuto do Idoso, delitos tipificados no Código Penal e praticados contra maiores de 60 anos em 2018 foram cometidos majoritariamente contra mulheres. Nos casos de ameaça, a vítima é do sexo feminino em 55,4% das vezes. O mesmo se observa em 51,2% dos registros de lesão corporal dolosa, em 57,3% dos estelionatos, em 64,8% das extorsões. Uma exceção se nota nos homicídios dolosos. Nesse caso, assim como ocorre no restante da população, também após os 60 anos cerca de 70% das vítimas são homens.

    “Um crime que chama muita atenção é o furto ao transeunte, em que quase 70% das vítimas idosas são mulheres. Uma hipótese a ser confirmada é que talvez os autores destes crimes façam alguma seleção nos alvos com base na percepção de uma fragilidade maior das mulheres, de uma menor autoproteção delas no ambiente urbano”, diz Caldas.

    O pesquisador observa, porém, que o aspecto demográfico influencia. “As mulheres são a maioria da população idosa. Sabemos que os homens costumam morrer mais cedo. E é possível observar nos dados oficiais sobre a população que a proporção de mulheres vai crescendo nas faixas etárias mais elevadas. Então, é até esperado que, também no universo das pessoas vitimadas, a maioria seja do sexo feminino, mas outros fatores também podem estar presentes”.

    Desafios

    Para Caldas, um dos maiores desafios é a conscientização para que o idoso consiga se perceber enquanto vítima. Ele explica que é muito difícil para quem recebe os cuidados de um parente perceber que está em uma situação de violência. “Muitas vezes, você não vai ter com quem se socorrer porque é a pessoa que te cuida de fato que estabelece essa relação que é ao mesmo tempo de cuidado e de violência. Então isso tudo cria uma maior complexidade”, disse.

    Caldas faz uma analogia com o que se observa no combate à violência de gênero, cujas notificações aumentaram a partir do debate público. Ele diz que, sem debate, a tendência é que menos idosos se sintam confortáveis para denunciar. “Se já é difícil denunciar um marido, um companheiro, imagina denunciar seu filho? Há um componente emocional que complexifica a discussão”.

    O pesquisador lamenta que a discussão sobre o envelhecimento da sociedade se restrinja às vezes ao eixo econômico. Segundo ele, outros eixos precisam ter a mesma importância, a exemplo da questão da violência. “Discutir hoje a violência contra o idoso é se preparar para o futuro porque o envelhecimento da sociedade é inexorável. E a tendência é aumentar os crimes contra os idosos”.

    O último Dossiê Pessoa Idosa foi publicado em 2013. A presidente do ISP, Adriana Pereira Mendes, disse ter o desejo de realizar a pesquisa, a partir de agora, ao menos a cada dois anos. “Precisamos ter os dados sempre atualizados e otimizados para a adoção de políticas públicas e para ajudar na organização da rede de atenção ao idoso”, disse. Ela avalia que os dados relacionados à violência contra a mulher tem muita visibilidade porque há uma rede forte e unida, o que não acontece ainda em relação ao idoso.

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