• Nascimento e Ocaso na “Belle Époque” Petropolitana

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  • 14/08/2016 09:00

    “(…) Estes espaços dotados de significado fazem, de cada cidade, um território urbano qualificado, a integrar esta comunidade simbólica de sentidos, a que se dá o nome de imaginário. Mais do que espaços, ou seja, extensão de superfície, eles são territórios, porque apropriados pelo social.” (Pessavento).

    Simbologizar é o principio da significação, da compreensão, “… da capacidade de originar, definir e atribuir significados…” às coisas que ocorrem, acontecimentos externos ao individuo e a sua coletividade (White, 1972).

    Assim é que compreendemos uma época como a da “belle époque”, sua composição “simbológica”, quando passamos a observar a inserção temporal de Petrópolis neste momento cultural único pertencente ao limiar do século XX , onde pode ser percebido seu significado e cujo descarte histórico ou memorialístico seria um procedimento irreal, irracional na concepção histórica, pois se tornou parte integrante de nossa formação cultural e histórica.

    As imagens presentes nos arquivos são testemunhos deste processo de simboligização de época, comprovações de sua representatividade cultural, da transposição de hábitos e costumes muito comuns a organizações sociais de época como a dos cariocas ou de uma sociedade como a parisiense, por onde grupos da “boa sociedade” denominação aplicada à elite burguesa e aristocrática de época, transitavam com suas manifestações únicas e culturalmente marcantes.

    Esta distinção da de outras épocas, já era expressa pelo próprio Imperador que havia se apercebido deste fenômeno único e se jubilava de participar do mesmo, quando da ocorrência da “batalha das flores”, primeiro desfile de carros abertos nas proximidades da Praça da Liberdade que inaugurou a “belle époque” em Petrópolis (1888).

    Simbologizar comportamentos, podem muito bem ser uma forma de representação, pode ser a verificação por intermédio destes sinais que são inerentes ao fenômeno de representação de época, contextualizados no sentido burguês, evidenciado por suas estruturas físicas, como a caleça, a vitória, o automóvel ou mesmo o desfile.

    Na primeira década do século republicano a mesma batalha de flores foi substituída pelo “corso” estabelecido nos mesmos desfiles de automóveis decorados com os mesmos motivos que com os anos 20 serão substituídos pelas batalhas de serpentinas e confetes tornando-se motivo carnavalesco.

    Uma manifestação cultural que repentinamente torna a cidade um dos ícones do modelo percebido, importado e condicionado pela sociedade. Assim, a cultura se processou pela simboligização. Não ocorreu uma interferência, pois a cidade foi organizada e criada para este fim, haja vista o processo de colonização de seu entorno periférico ter sido apenas um detalhe para satisfazer a sobrevivência do modelo aristocrático e burguês em uma cidade nova. Fator que não perseverou e tão logo, em poucas décadas a cidade foi alvejada pelo industrialismo que agregou um universo operário periférico em oposição ao burguês existente. Assim, outros modelos simboligizantes de padrão cultural foram agregados e tomaram corpo exercitando a diversidade que se tornaria no século XX sua face predominante.

    Em um retorno à leitura das imagens, vislumbramos o exercício destes simbologismos característicos da época, não somente pelos documentos, pelos guias, assim como pelos registros fotográficos diversos presente nos arquivos.

    Pelas imagens da Leopoldina de seus primeiros tempos, nítidas são as evidências desta representatividade. Estas se formaram, quando de um “trem dos maridos”, celebrados em caricatura por Rian, as mulheres aguardavam do lado de fora a chegada de seus esposos dentro de suas caleças para cruzarem com destino à suas residências; as imagens das vias ocupadas pelas bicicletas, novidades de época que conduziram a confecção do primeiro guia brasileiro de um Clube de Bicicletas, com um passeio celebrado em foto de época; o Hotel de Bragança fotografado, desenhado e pintado em seus vários momentos prova de sua representatividade para o período; assim como a ponte metálica, cruzada por casais em seus passeios, ou mesmo pelas vias arborizadas da primeira década de século no governo Sá Earp, um ardoroso fã de Goerges-Eugène Haussmann e de suas realizações na “remodelação” urbana de Paris, testemunhada por quantos que também presenciaram a “belle époque” brasileira.

    Obras primas de expressão e majestade foram construídas por arquitetos e engenheiros de renome seguindo os princípios da maior modernidade de época, prédios como o do Colégio Notre Dame de Sion, do Fórum, os majestosos e magníficos hotéis como a Independência e o Cremerie Buisson, Central entre outros.

    A “belle époque” foi uma cultura cosmopolita, que comportava um clima intelectual e artístico, profundas transformações culturais que resultaram em modos de pensar e viver diferentemente do tradicional no século XIX, norteados por vezes pelo famoso Clube dos Diários representativo da sociedade no período tanto no Rio como em Petrópolis, onde charmosos, garbosos e dândis se representavam.

    As cenas culturais que estiveram em efervescência, pelos cabarés, pelos teatros, transitando entre culturas artísticas migradas como “polkas” e o “cancan” celebrado pelos jornais glorificado para os veranistas, assim como a chegada mágica do cinema, repercutiram em Petrópolis ao final do século XIX. Os encontros em seus hotéis e teatros desenhados por esta "gente da boa sociedade" e seu estilo de vida que permaneceram marcantes e celebrados pelas colunas dos jornais de época.

    Raríssimos são os estudos sobre a “belle époque” local, sobre suas manifestações culturais, seus eventos, as realizações e transposições culturais, talvez porque demandem tempo em pesquisas e o cruzamento de inúmeras informações presentes e dispersas nos arquivos petropolitanos, tanto nos segmentos documentais, como de impressos e imagéticos. 

    O fato mais importante é o de que necessitamos de mais pesquisadores que possam conjugar suas pesquisas com outras ciências como a antropologia, a sociologia entre outras. Outra observação a destacar é o da falta de interesse publico e político na preservação das documentações, dos arquivos petropolitanos ao contrário do que observamos em outras cidades onde fundações são criadas para desenvolver estes processos culturais de conservação e estudo que os conjugasse ao universitário, como os que são realizados em Juiz de Fora, Vassouras, Niterói entre outros centros importantes.

    O trabalho desenvolvido pelo Instituto Histórico de Petrópolis nestas décadas foi precioso, mas carente de auxílio e relevo. Muitos se esquecem de que a memória e a história da cidade passa por estes nichos que necessitam ser valorizados com a presença de laboratórios como os que vicejam nos citados centros universitários destas cidades.

    Imagens do arquivo do Museu Imperial:

    01 – Sala de desenho e pintura do Colégio Notre Dame de Sion de Petrópolis (1910);

    02 – Primeiras normalistas de Petrópolis do Colégio Santa Isabel (1905);

    03 – Recepção nos salões do Hotel de Bragança (1890);

    04 – Encerramento da assinatura  do Tratado de Petrópolis na casa do Barão do Rio Branco (1903);

    05 – Empresários locais com a primeira empresa de ônibus da Cascatinha (1910);

    06 – Cavaleiros à caráter em uma fazenda petropolitana;

    07 – Carnaval no palacete de Franklim Sampaio (1920);

    08 – Revista semana ilustrada com reportagem sobre as corridas do Derby Petropolitano (1916);

    09 – Caravana do Clube da Bicicleta em Petrópolis (1910);

    10 – Homem debruçado sobre o seu automóvel em uma fazenda (1900);

    11 – Família de Joaquim da Costa Freitas em seu automóvel (1910);

    12 – Transito à frente da estação da Leopoldina, um lado caleças e do outro já a presença dos autos;

    13 – Jornal "Cinema-Jornal", primeiro jornal especifico deste setor cultural de entretenimento no Brasil (1910).

    Bibliografia:

    Pessavento, Sandra Jatahy. História, Memória e Centralidade Urbana, Revista Mosaico, v.1, n.1, p.3-12, 2008;

    White, Leslie A. O Conceito de Cultura, Editora Contraponto, São Paulo, 2015.

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