• Moradores de áreas de risco de Petrópolis enfrentam descaso e ineficiência na prevenção de desastres

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  • 10/02/2020 12:41

    O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) emitiu alertas de risco alto para movimento de massa e risco hidrológico para os primeiros dias de tempestade no início deste ano, em Petrópolis. Mas o protocolo do Sistema de Alarme e Alerta não foi seguido pela Defesa Civil. O município, com um histórico marcado por desastres naturais causados por chuvas que mataram mais de 350 pessoas nos últimos 32 anos, não tem sistema de monitoramento próprio. Dos 73 pluviômetros automáticos e semiautomáticos que existiam no município até 2016, nem metade está em funcionamento. Dos 20 conjuntos de sirenes, nove têm pluviômetros, dos quais dois não funcionam.

    Das 12 comunidades que possuem o sistema, o Vale do Cuiabá, onde há nove anos ocorreu uma das maiores tragédias da Região Serrana, que fez 73 vítimas fatais, está com as sirenes localizadas no Buraco do Sapo e Gentio desativadas, desde novembro. Segundo Flávio Bordalo, um dos sócios da empresa Gridlab, responsável pela manutenção do equipamento, desde novembro o trabalho não é feito por falta de pagamento. O equipamento de medição e as sirenes foram instalados em 2017, mas a empresa nunca recebeu nem mesmo pela instalação. “Ainda sem receber, nós mantivemos os equipamentos funcionando por entendermos a importância que eles têm para salvar vidas, mas tudo tem um limite”, disse. 

    Em um levantamento feito pela Tribuna de Petrópolis, foi verificado que há em funcionamento no município 43 pluviômetros – equipamentos utilizados para fazer a medição do volume de chuvas. Nenhum mantido pelo município. O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) mantém 19 estações, sendo 11 delas com pluviômetros automáticos. O Cemaden federal mantém outros 25 pluviômetros automáticos. E o Centro Estadual de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden-RJ) possuí sete equipamentos.

    Ainda em 2014, o Cemaden assinou um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o município para a doação de 20 pluviômetros semiautomáticos. Os equipamentos foram instalados e utilizados até 2016, depois não se tem mais notícias. A Tribuna ouviu moradores de algumas residências onde os pluviômetros foram instalados, como a doceira Michele Almeida, que mora na Rua Batista da Costa, na Mosela. Segundo ela, o equipamento foi abandonado e, há pelo menos três anos, removido de sua casa. No último dia 8 de janeiro, a menos de um quilômetro da casa da Michele, na Rua Pedras Brancas, a enxurrada destruiu todo o calçamento da rua, deixando os moradores sem acesso para veículos e coletivos. Na Mosela, não há sirenes do Sistema de Alerta e Alarme. 

    No Valparaíso, que também registrou alagamentos na chuva que ocorreu no dia 2 de janeiro, deveria funcionar um dos pluviômetros semiautomáticos. De acordo com a listagem de endereços acordada entre o governo federal e o município, à qual a reportagem teve acesso, na Rua João D’Escragnolle, também deveria ter um equipamento, mas segundo o morador da residência, ele nunca foi instalado no local.

    Situação semelhante acontece no Bela Vista, na casa do aposentado Valdomiro Seixas, na Rua Alberto Pullig. Há um pluviômetro instalado na sua residência, mas não funciona há, pelo menos, três anos. O equipamento está em perfeito estado, mas segundo Valdomiro, nunca recebeu manutenção. Na Rua Brigadeiro Castrioto, no Bairro Esperança, onde também deveria estar instalado um pluviômetro, os moradores já não lembram onde ele ficava. Mas guardam com riqueza de detalhes a memória sobre as vítimas e os prejuízos que as chuvas trouxeram nos recentes 30 anos. 

    “Aqui, o bairro todo é área de risco. Nós não temos o que fazer, quando chove ficamos preocupados. É uma casa sobre a outra, se descer uma, desce a encosta toda”, disse preocupado o morador Leonardo José Pedro. 

    Segundo o Cemaden, como os equipamentos foram doados, toda a manutenção é por conta de quem recebeu a doação. Esses pluviômetros faziam parte do Programa Pluviômetros na Comunidade e a doação transfere o patrimônio e responsabilidade para o órgão que recebeu. A Secretaria Municipal de Defesa Civil foi questionada, mas negou a doação, disse que não há registro na Defesa Civil municipal de termo de doação de pluviômetros do Cemaden em 2014. 

    Mesmo com a emissão de alertas, as sirenes não foram acionadas 

    No levantamento feito pela Tribuna junto ao Cemaden, do dia 1º de janeiro até o dia 5 último, foram emitidos dezoito alertas de risco de movimentos de massa (deslizamentos) e alerta para risco hidrológico (inundações, enxurradas, alagamentos) de níveis moderados a alto. A reportagem comparou o relatório emitido pelo principal órgão federal de alerta de desastres com as datas em que foram registrados os maiores volumes de chuvas no município. Nas chuvas que ocorreram nos dias 2, 7 e 8 de janeiro, o Cemaden emitiu alertas de alto risco para ocorrência de desastres.

    Neste ano, o sistema de sirene só foi acionado uma vez, no dia 2, na Rua 24 de Maio. Mesmo com os alertas, o protocolo não foi obedecido. 

    O acionamento das sirenes funciona em duas etapas, a primeira para alertar sobre a previsão de chuvas fortes, e a segunda como um último aviso para que os moradores deixem suas casas. Embora 18 deles estejam em funcionamento, os equipamentos não são acionados. 

    O município possui 234 áreas de risco espalhadas pelos cinco distritos. Os moradores dessas áreas convivem com o medo e a preocupação sobre as chuvas em todos os verões. Sem um sistema de monitoramento e principalmente de alerta sobre os riscos que esses moradores vivem nessas áreas de risco, a vida dessas pessoas é colocada a prova a cada nova tempestade. 

    Áreas de risco crescem e há mais pessoas ameaçadas

    O último levantamento feito em Petrópolis sobre o número de pessoas que vivem em área de risco e alto risco apresentado em 2017, o Plano Municipal de Redução de Risco (PMRR), foi iniciativa do Governo do Estado. Na época, Petrópolis tinha cerca de 47 mil pessoas vivendo em área de risco e carecia de, pelo menos, 12 mil moradias. Passados três anos, é possível que este número tenha subido significativamente. O geólogo e perito Johannes Stein, explica que se o sistema de monitoramento não for preciso, com o aumento da população em áreas de risco, cada vez mais pessoas estão em risco de vida. 

    Para o geólogo, falta um sistema eficaz de monitoramento geológico e ambiental em Petrópolis. Com acompanhamento visual, com a colaboração dos moradores que vivem áreas de risco, mapeamentos dessas áreas, vistorias e fiscalização. A exemplo da cidade do Rio de Janeiro, que possui a Fundação Instituto de Geotécnica – Geo Rio, órgão responsável pelo monitoramento e contenção de encostas, Johannes afirma que Petrópolis precisa de um órgão que faça apenas este trabalho. 

    “Como tem a Geo Rio, no Rio de Janeiro, Petrópolis deveria ter uma equipe só para fazer o monitoramento de encostas, de áreas de risco. Para não depender da Defesa Civil. Em momentos de crise é formado um gabinete de crise com todos os órgãos envolvidos, mas esse trabalho de controle deveria ser feito por uma equipe técnica com engenheiros, topógrafos, meteorologistas”, disse. 

    Além do monitoramento em áreas de encosta, o município convive há tanto tempo com alagamentos que muitos consideram essa situação normal. “Deve haver o controle dos túneis, não apenas das áreas de encosta. Com manutenção e limpeza. Em muitos trechos de rios, os prédios foram crescendo e fazendo as fundações sobre os leitos. Então, as áreas de risco não se concentram apenas nas encostas. O Inea tem que ver isso com mais seriedade”, disse o geólogo.

    Desinteresse e falta de investimentos

    O desinteresse e a falta de investimento em equipamentos preventivos e de monitoramento não ficam só a cargo do município. Das 19 estações mantidas pelo Inea, utilizadas para o monitorar a possibilidade de transbordamento de rios, todos os 11 pluviômetros têm os dados desatualizados. Dos 25 pluviômetros automáticos mantidos pelo Cemaden, 12 estão com os dados desatualizados, alguns com informações de um ano atrás. 

    Segundo o Cemaden, está prevista a manutenção (preventiva e corretiva) de nove pluviômetros automáticos no período de 20 de fevereiro a 6 de março deste ano. O trabalho é feito pela empresa Água e Solo, que mantém contrato com o órgão, que é vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

    A Prefeitura foi questionada sobre que equipamentos são utilizados para fazer o monitoramento de chuvas, e informou que utiliza os radares Alerta Rio (Prefeitura do Rio de Janeiro), Redemet (Aeronáutica), Instituto Estadual do Ambiente (Inea) (Sistema de Alerta de Cheias), e RainViewer (World Live Weather Radar) para o monitoramento dos núcleos de chuva.

    E utiliza os pluviômetros que compõem o Sistema de Alerta e Alarme por Sirenes contra chuvas fortes (são apenas sete), da Prefeitura de Petrópolis e do Estado do Rio de Janeiro. E que os pluviômetros no Inea também são monitorados.

    Informou, ainda, que os equipamentos que estão instalados no Buraco do Sapo e Gentio não fazem parte do contrato da empresa com o Estado, mas sim, de uma parceria desta empresa com a ONG Viva Rio, responsável pelo pagamento do serviço. A Prefeitura ressalta ainda que os pluviômetros estão fora do ar, mas as sirenes funcionam perfeitamente para o acionamento manual. 

    A reportagem questionou a ONG Viva Rio sobre a falta do pagamento, mas até o fechamento desta reportagem não obteve resposta. 

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