• Miolos de passarinhos

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  • 10/06/2020 00:01

    Diante de um espelho, encarando meu rosto de muitas rugas e expressão de cansaço, dou conta de que estou vivendo numa quarentena. Vivo ou vegeto – não sei bem adjetivar essa inércia social – por estar uma criatura humana prisioneira, manietada pela responsabilidade assumida, como cidadão do planeta, de tentar manter, o mais longe possível, o nível da contaminação pelo assassino corona-virus. Não se trata de apenas enfraquecer o tal vírus, mas aguardar que os anjos de nossa guarda – os cientistas – consigam chegar aos antídotos que eliminem a solerte praga. É o tempo dessa espera que alimenta todas as vidas humanas terrenas. Confiantes na ciência, com reforço de preces aos múltiplos defensora espirituais, vimos cautelosamente arriscando um olho na ciência e outro na celebração esperançosa. São momentos da vida dos seres ditos inteligentes que devem ser enfrentados com muita esperança quanto cautela; perseverança quanto desprendimento; coragem quanto todo necessário sacrifício; como o fizeram nossos antepassados aterrorizados pelos traiçoeiros minúsculos agentes da morte, hoje retornando sob novas rotulações e incríveis mutações assustadoramente mortais.

    E ficam os analistas, os cientistas, os pesquisadores procurando derrotar os invasores cientes de que o planeta tem reagido, de tempos em tempos, às agressões geradas   sem pudor e sob imensa irresponsabilidade, nas auroras do desenvolvimento científico, pelos próprios habitantes da corrompida Terra. Em todos os hemisférios têm destruindo tudo sob a bandeira da conquista da felicidade social. Por vezes, sem perceberem os furos da deterioração, brandem os pálios nas guerras impiedosas e estes lhes servem, por final, de mortalhas.

    E, pasmos, todos ficamos com o momento atingido pela população mundial polinizada sob efeitos descontrolados de péssimas interpretações de humanismo, transformando a existência social consentida em profundo abismo que separa as classes sociais. Na primeira (A) as burras de dinheiro nos cofres insensatos da acumulação; na segunda (B) as poupanças mais modestas porém significativamente ofensivas na distância que os desertos torrificam e matam; na terceira (C em diante), a miséria absolutamente desprezível dos esgotos a céu aberto, barracaria dependurada na fragilidade das encostas melosas da vida miserável… E o analfabetismo, cancro que embacia os olhos das crianças de tetos rotos e dos adultos cujo raciocínio encontra-se nas botijas dos vícios que entorpecem milhares de cérebros… E, de cultura limitada ao viver somente, chafurdam no lodo escorrendo a céu aberto sem o conhecimento mínimo do existir como direito, este impresso nos volumes imensos de regras e ditames somente lidas e interpretadas pelos políticos ditos representantes desse povo que mal sabe teclar em urnas eletrônicas.

     Nessa virada da esquina da desgraça de muitos cidadãos do mundo não está o pote do arco-íris e nem mesmo o arco-íris raia no horizonte porque tragado pela poluição desprende apenas o chorume da insensatez.

    Eu fico, aqui na minha quarentena fazendo a minha parte porque não desejo ser contaminado e, muito menos, contaminar os outros, enquanto milhares de pessoas saem para as ruas sem necessidade alguma, pelo simples prazer de estarem nas praças e nas calçadas como sempre estiveram. Insensatos – que pena! – ouviram sobre o risco de contaminação, mas o nível de mínima percepção do perigo não os assustou ou assusta, mesmo com todos os meios de comunicação batendo na tecla, esclarecendo, mostrando estatísticas, lamentando mortes; e o absurdo dos absurdos, assistir aos passeios dos políticos saindo por ai, sem proteção, como se fossem e encarnação do “superman” dos quadrinhos e do cinema. Só falta vestir a todos com   fantasias de super-heróis e mandá-los para o espaço, que é o correto circo de quantos têm miolos de passarinhos.

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