• Ministério Público apresenta denúncia contra torturador da Casa da Morte

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 06/12/2016 11:30

    Os crimes de torturas cometidos na Casa da Morte em Petrópolis durante o regime militar (1964-1985) podem ter um desfecho diferente. Isso porque o Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro (RJ), por meio do grupo Justiça de Transição, acaba de denunciar o caseiro do aparelho clandestino de repressão, o ex-sargento do Exército Antonio Waneir Pinheiro Lima, conhecido como “Camarão”. Ele é acusado pelo MPF por crimes de estupro e sequestro da militante política – única sobrevivente da Casa da Morte –  Inês Etienne Romeu, em 1971. Caso a 1ª Vara de Justiça Federal de Petrópolis aceite a denúncia, este será o primeiro agente do regime a ser submetido a julgamento.

    Após uma série de denúncias e investigações, em novembro de 2014, Antonio Waneir, na época com 71 anos, foi encontrado no interior do Ceará e levado para a Polícia Federal, em Fortaleza, para prestar depoimento. Na época, confessou ter atuado como vigia da casa, mas disse desconhecer o que se passava dentro do imóvel. Até o fechamento desta edição a equipe de reportagem não identificou o paradeiro do ex-sargento. 

    Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), divulgado no final de 2014, Camarão teve participação em casos de detenção ilegal, tortura, execução, desaparecimento forçado e ocultação de cadáver. Foram vítimas do ex-sargento: Inês Etienne Romeu, Antônio Joaquim de Souza Machado, Mariano Joaquim da Silva, Walter Ribeiro Novaes, Heleny Ferreira Telles Guariba, Carlos Alberto Soares de Freitas e Paulo de Tarso Celestino da Silva (1971); Massacre do Parque Nacional do Iguaçu, em que foram vítimas de desaparecimento forçado Onofre Pinto, Daniel José de Carvalho, Joel José de Carvalho, José Lavecchia, Victor Carlos Ramos e Enrique Ernesto Ruggia (1974), Ana Rosa Kucinski (1974). 

    O documento da CNV revela ainda que no dia 8 de maio Inês Etienne Romeu, na época dirigente das organizações Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Var-Palmares e Polop, foi conduzida, de carro, para a “Casa da Morte”, local onde enfrentou todos os tipos de tortura e onde permaneceu incomunicável por mais de três meses, até 11 de agosto de 1971. Após ter conseguido sair do centro de torturas, ela permaneceu em unidade penitenciária regular até 29 de agosto de 1979. 

    O MPF-RJ, por meio do grupo de Justiça de Transição, composto pelos procuradores Antonio Passo Cabral, Sergio Suiama e Vanessa Seguezzi, acredita que em razão de sua militância estudantil e política, Inês se tornou alvo do governo ditatorial brasileiro, tendo sido perseguida e monitorada por órgãos de inteligência, sequestrada, presa ilegalmente, torturada e estuprada conforme demonstram várias provas que foram acumuladas na investigação. 

    A sobrevivência da militante foi fundamental para compor a memória desse momento que o país viveu por 21 anos. Foi ela que relatou diversos fatos ocorridos dentro do aparelho de repressão, entre eles, a presença de militantes no local, como de Aluízio Palhano e Carlos Alberto Soares de Freitas. Em depoimento à CNV, Inês disse que ouviu de Camarão que Carlos Alberto havia sido o primeiro terrorista que esteve preso naquela casa. 

    Apenas em 1989 a militante procurou o jurista Fábio Konder Comparato e contou tudo o que sofreu durante os 96 dias em que esteve detida na Casa da Morte. Segundo relato do jurista à Câmara dos Deputados, em 24 de setembro de 2009, em audiência pública conjunta da Comissão de Direitos Humanos e de Legislação Participativa, Inês relatou: “Professor, eu não quero um tostão de indenização. Esse dinheiro de indenização vem do povo e a grande vítima é o povo. […] O que eu quero é que a Justiça do meu país reconheça oficialmente que eu fui sequestrada, mantida em cárcere privado, estuprada três vezes por agentes públicos federais pagos com o dinheiro do povo brasileiro”. 

    Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Victoria Grabois, que teve pai (Mauríco Grabois), irmão (André Grabois) e marido (Gilberto Olímpio Maria) desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, durante o regime, considera importante a ação dos procuradores. “Esperamos que a Justiça de Petrópolis receba essa denúncia e parabenizamos o grupo de Justiça de Transição pela coragem em apresentar esses fatos em um momento tão difícil que o país enfrenta”, destacou. 

    Em nota, a Comissão da Verdade de Petrópolis afirmou: “Assim como os Procuradores do Ministério Público, acreditamos que os crimes cometidos por Camarão e outros torturadores na época da ditadura militar devem ser investigados”, diz. Além disso, informa que um dos objetivos da Comissão é investigar a Casa da Morte. 


    Últimas