• Marcando o ponto na La Fornarina

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  • 24/01/2019 19:22

    Por prezar pelo primor, pode-se dizer que a La Fornarina era o "ponto". Ao mesmo tempo em que foi ponto de reflexão e renovação dos clientes, a padaria conhecia o ponto da massa, sabia quando dar liga aos elos. E assim foi, até que se tornou ponto final e indicou o fim de um capítulo petropolitano que deixa saudades.

    São raras as vezes em que sabores e aromas não estão entrelaçados a histórias familiares, e a La Fornarina não poderia fugir à regra. Quem dá detalhes de como se deu a regência do empreendimento é Carlos Leemann Ayres da Motta, de 55 anos, filho de Jorge Ayres da Motta: a mente à frente de seu tempo, responsável por eternizar o negócio.

    “A La Fornarina nasceu em 1963, quando meu pai comprou as receitas de uma senhora, a dona Nina Calembachi, numa loja do edifício Profissional. Nesse meio tempo, abriu-se mais uma loja no fundo do edifício Arabela, e uma fábrica de pães na Mosela! Em 1969, meu pai fez a loja com fabricação própria na Rua 16 de março, número 27, que funcionou até 1979, quando foi vendida”.

    Negócio de sucesso, a La Fornarina abastecia, segundo Carlos, 16 lojas do Rio de Janeiro: “Lembro que, há mais de 50 anos atrás, meu pai mandava uma Kombi lotada de produtos. Ele foi pioneiro na fabricação de sorvete artesanal "pasteurizado" com as máquinas italianas que comprou no começo dos anos 70. Sabores como banana frita, pistache e milho verde fizeram muito sucesso naquela época!”.

    Carlos, que há 22 anos mora em Tiradentes e está prestes a inaugurar sua própria padaria, a “Pandoro”, relembra as mercadorias mais pedidas pela clientela, como o bolo inglês, que levava ovos, manteiga, rum, passas e frutas cristalizadas, além da irresistível torta de chocolate. Sua mãe, Maity Leemann, de 85 anos, faz questão de comentar a sobremesa.

    “Até o presidente Costa e Silva comeu a torta de chocolate com recheio de damasco e baba de moça quando a sede do governo era na Avenida Koeler. E depois ele mandava buscar e entregar em Brasília. Algumas coisas se tornaram bem tradicionais”.


    Foto: Reprodução Internet

    Foto: Bruno Avellar

    As iguarias que marcaram época

    Difícil escolher uma iguaria favorita, mas para a enfermeira Fernanda Maria de Godoyr Garcia, de 42 anos, a resposta é imediata: o mil folhas de caramelo. “Não existe em nenhum outro lugar. Você até encontra de doce de leite, mas não o de caramelo. Meu pai, quando queria agradar a mim e a minha irmã, comprava pra gente levar de merenda”.

    Há 17 anos em Cabo Frio, Fernanda explica que, desde os tempos da La Fornaria não ouve falar no doce, apesar do gosto permanecer vivo na memória. “Já morei também em Minas e nunca mais consegui comer o mil folhas. Só de lembrar eu já sinto o gosto. É algo que ficou marcado mesmo. Foi o único lugar em que eu o comi”.

    Também especialidade da casa eram os quindins, que fazem brilhar os olhos da aposentada Ida Truci, de 77 anos, e a boca salivar. “Nunca mais encontrei em outro lugar um quindim igual ao de lá. Sou louca por quindins. Era uma delícia porque não tinha gosto de ovo. Era maravilhoso”. 

    Única, a produção dos quindins, e talvez seu segredo, estava intimamente relacionada ao impecável trabalho do senhor Jarbas Luiz Braga, responsável pelo fornecimento dos ovos. “Tive uma granja em Águas Claras. Fui fornecedor do Jorge por todo o tempo em que ele ficou com a La Fornarina. Ele e a Maity eram muito criteriosos e sempre me cobravam gemas vermelhas porque queriam uma coloração natural nos quindins”.

    Tarefa dada, tarefa cumprida! Diante das exigências, Jarbas explica que desenvolveu uma ração especificamente para atender ao critério de Jorge. “Ela levava uma quantidade maior de milho, que dá a pigmentação. Acredito que naquela época ele ficasse com umas duas ou três caixas com 40 dúzias por semana”.

    Uma pausa saborosa na rotina

    Dentro da La Fornarina, o tempo parecia passar num ritmo diferente. A aposentada Vera Delgado, de 65 anos, se orgulha em dizer que trabalhou no local por seis anos. “Ô tempo bom! Gostávamos muito de trabalhar lá porque era uma confeitaria diferenciada. Nós íamos todas arrumadas, de salto”, faz questão de dizer. E ela vai além:

    “Eu comecei quando eu tinha 20 anos. Havia turistas que vinham pra comprar três produtos, que eram muito visados: o brioche, o croissant e o rocambole de chocolate. Aos domingos, o senhor Jorge deixava a gente levar o que havia sobrado e até distribuir para os necessitados”. 

    Vera cita, ainda, a época em que o espaço recebeu o modelo drugstore, até então novidade no Brasil, após uma viagem dos proprietários ao exterior. “Estava repercutindo lá fora. São vários comércios dentro de um estabelecimento só. No fundo funcionava a confeitaria e, no lado esquerdo de quem entrava, havia uma acústica fechada com uma loja de discos. Já à direita, era uma perfumaria, uma franquia da Revlon”. 

    Tendo marcado gerações de clientes, que hoje lamentam o fim do belo capítulo que ajudaram a escrever, pode-se dizer que, antes de mais nada, a La Fornarina foi ponto de partida para novas experiências e sensações.

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