• Mais de 4.500 mulheres foram vítimas de estupro no Rio em 2018

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  • 29/04/2019 19:04

    No ano passado, 4.543 casos de estupro de mulheres foram registrados no estado do Rio de Janeiro. Em 70% dos casos, as vítimas tinham até 17 anos. Em 44% dos registros, os agressores eram pessoas do convívio da vítima, como companheiros, ex-companheiros, pais, padrastos, parentes e conhecidos. Os dados fazem parte do Dossiê Mulher 2019, elaborado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro. Segundo o dossiê, a cada 24 horas, 12 mulheres são vítimas desse tipo de crime.

    O ISP analisou delitos como homicídio doloso, feminicídio, tentativa de homicídio, tentativa de feminicídio, estupro, tentativa de estupro, lesão corporal dolosa, ameaça, assédio sexual, importunação ofensiva ao pudor, ato obsceno, dano, violação de domicílio, supressão de documento, constrangimento ilegal, calúnia, difamação e injúria, além da aplicação da Lei Maria da Penha. O documento revela que, em quase todos os delitos analisados, mulheres representam mais da metade do total de vítimas.

    De acordo com a presidente do ISP, Adriana Pereira Mendes, desde 2015, tem aumentado o registro de crimes de estupro. “A situação é extremamente grave. Os números são preocupantes, e é necessária a conscientização de todos, sobretudo das mulheres, no sentido de não se submeter a situações de violência”, disse Adriana.

    Pardas e negras

    O estudo lançado hoje (30), Dia Nacional da Mulher, mostra ainda que as mulheres pardas e negras foram as maiores vítimas de homicídio doloso naquele período. Entre os 350 casos anotados no ano passado, elas representaram 59%, seguidas por 33% de brancas e 8% de outras ou não informado. A faixa etária mais atingida (36%) foi entre 30 e 59 anos. Em segundo, com 25% estão as mulheres entre 18 e 29 anos. Sem informação de idade, o percentual é de 19%. As vítimas com idade até 7 anos foram 9% e as de 60 anos ou mais, 8%.

    Em 2018, houve 71 vítimas de 71 vítimas e 288 tentativas desse delito. Do total, 62% das oocorrências foram dentro da casa da vítima e 56% dos autores eram companheiros ou ex-companheiros da vítima. De acordo com o documento, a cada cinco dias, uma mulher é vítima de feminicídio. Para a presidente do ISP, o fato de o feminicídio ter se transformado em um qualificador do crime de homicídio, ajudou a dar mais visibilidade às mortes de mulheres.

    “Foi uma conquista – primeiro, para trazer uma punição mais grave e tentar com isso inibir essta prática e, em segundo, para dar visibilidade ao problema de mulheres mortas. Para o Instituto de Segurança Pública, essa classificação específica é importante, porque passamos a ter dados quantitativos de mais qualidade e a encaminhar aos órgãos competentes para traçar políticas públicas e ações de enfrentamento a essa questão”, disse Adriana.

    Violência Física

    A décima quarta edição do Dossiê Mulher revela que, em termos de violência física, a lesão corporal foi o crime que mais atingiu as mulheres. Foram 41.344 casos, o que indica que, a cada 24 horas, quatro mulheres foram vítimas desse crime. O estudo mostra que, no mesmo período, quatro mulheres vítimas de ameaça e, pelo menos, uma mulher sofre importunação ofensiva ao pudor.

    A assistente social Elizabeth Pena, de 60 anos, disse que deu a volta por cima. Ela foi vítima de violência por parte do marido até um dia que resolveu fazer a denúncia em uma delegacia. Elizabeth contou à Agência Brasil que, a partir daí, dedicou-se apenas aos três filhos. Depois que eles crescceram, Elizabeth voltou para a escola, completou o segundo grau e, por fim, entrou em uma universidade.

    A delegada Juliana Emerique, da Coordenadoria-Geral de Polícia de Atendimento à Mulher da Secretaria de Estado de Polícia Civil, ressalta a importância de se mudarem certos conceitos da sociedade. “Temos que quebrar esse estigma e vários ditos populares. Acho que o maior deles é o de que, ‘em briga de marido e mulher, não se mete a colher’. Pelo contrário. Hoje em dia, o conselho é que, em briga de marido e mulhe,r a sociedade meta a colher. E a polícia tem o dever de agir.”

    Conforme a delegada, as subnotificações dos casos de violência contra a mulher ocorrem porque, muitas vezes, ela sequer sabe por onde começar. “A atuação em rede é muito importante. O hospital tem que saber onde referenciar essa mulher, para qual delegacia deve encaminhar. A própria delegacia tem que fazer um bom encaminhamento. E a Polícia Militar [também]. Todos juntos na sociedade para tentar fazer com que as mulheres não sofram mais.”

    A pesquisadora Flávia Manso, que trabalhou na elaboração dos dados do dossiê, deu um depoimento pessoal. Ela contou que, aos 17 anos, foi vítima de violência sexual e levou 10 anos para ter o caso reconhecido pela Justiça. Antes disso, chegou a ser acusada de ter provocado a ação e ter recorrido à Justiça para ser autorizada a fazer um aborto da gravidez que resultou do ato. Segundo Flávia, o agressor chegou a ser preso, mas foi solto. Logo depois, atacou outras mulheres da mesma forma. “Só na segunda instância, a verdade foi restabelecida. Só na segunda instância, consegui sair da clandestinidade”, afirmou a pesquisadora.

    Pacto

    Durante o lançamento do Dossiê Mulher 2019, a juíza Adriana Ramos de Melo, titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, propôs a criação de um pacto de enfrentamento desse tipo de violência para definir políticas públicas de combate a crimes como os apontados no documento. “Que política pública a gente pode adotar a partir de hoje? A gente precisa criar um pacto estadual”, disse a juíza.

    O vice-governador do Rio, Cláudio Castro, concordou com a proposta e marcou para a semana que vem um encontro com integrantes de diversos órgãos para discutir a proposta de pacto. “Temos que acabar com a impunidade. A impunidade do agressor é um dos motivos para ele não desistir, porque ele sabe que nada vai acontecer e que a mulher não terá coragem, muitas vezes, ou porque depende financeiramente, outas vezes por sua condição familiar. Essa realidade tem que acabar."

    Castro acrescentou que o agressor não pode se valer de ser quem coloca o recurso em casa para agredir alguém. "A gente tem que acabar com essa impunidade. Contem comigo”, disse.

    A aplicação da Lei Maria da Penha permitiu a qualificação como violência doméstica e familiar em 15% dos homicídios dolosos, 61% das ameaças, 39% dos estupros e 65% das lesões corporais. “Apesar de se associar a Lei Maria da Penha a uma briga entre marido e mulher, ela [lei] vai muito além disso”, observou a pesquisadora Flávia Manso.

    Flávia apontou outra questão que contribui para limitar a reação da mulher às agressões: a supressão de documentos pelo agressor, o que impede a vítima de fazer a denúncia.

    Na análise por regiões, a zona oeste da capital foi a que registrou o maior número de denúncias, especialmente nos bairros de Campo Grande, Bangu, Santa Cruz, Taquara, Pedra de Guaratiba. Em seguida, aparecem localidades da Baixada Fluminense como Posse, Vilar dos Teles, Comendador Soares, Belford Roxo e Duque de Caxias.

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