• Lei de inclusão de deficientes no mercado completa 25 anos

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  • 03/07/2016 07:00

    Esse mês a Lei de Cotas para inclusão de deficientes no mercado de trabalho completa 25 anos e menos da metade dos postos por ela criados foram preenchidos. Além disso, a Lei prevê que além de destinar um determinado número de vagas para deficientes, as empresas com mais de 100 funcionários têm que se adaptar para recebê-los – o que é mais difícil ainda de acontecer. O que ocorre na prática é que as empresas até contratam, mas selecionam qual tipo de deficiente ocupará o cargo. A escolha se dá baseada não na qualidade do currículo, mas na característica da deficiência.

    Desde que foi criada, a Lei n° 8,213, de 24 de julho de 1991, estabelece que empresas com mais de 100 empregados devem destinar de 2% a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência. Após a contratação, é necessária a adaptação do espaço físico, como rampas, acesso à empresa, adaptação das mesas e utensílios de trabalho, entre outros. E é aí que muitos deficientes encontram dificuldade para conseguir a vaga – principalmente os cadeirantes e os deficientes visuais. 

    É o caso de Luciano Gil De Mattos Júnior, de 28 anos. Ele é cadeirante e desde 2011 está tentando conseguir um emprego em Petrópolis, sem sucesso: “Já participei de processos seletivos em várias empresas na cidade. Muitas vezes cheguei ao final do processo e quase consegui a vaga, mas não aconteceu. Geralmente as empresas alegam que ainda não têm acessibilidade para cadeirantes. Nunca tive minha carteira assinada. O máximo que consegui foram alguns biscates com panfletagem em época de eleição”, disse. Com o sonho de trabalhar um dia como assessor de imprensa, Luciano entrou na faculdade de Jornalismo esse ano. Desde então, tem vendido salgados no bairro onde mora, no Canto do Cemitério, para ajudar a pagar os estudos. Porém, recentemente, teve que cessar as vendas, pois a cadeira de rodas motorizada que tinha queimou. 

    Em Petrópolis há 72 mil pessoas com deficiência, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e apenas 1.612 inseridas no mercado de trabalho. De acordo com a associação petropolitana Pró-Deficiente, as áreas que mais contratam são a área de produção, auxílio em limpeza, setor administrativo e de telefonema. Confecções e hospitais costumam contratar deficientes auditivos.

    Em Petrópolis, atualmente há no Balcão de Empregos seis vagas disponíveis para deficientes. De acordo com uma atendente, que não quis se identificar, é bastante difícil preencher as vagas por duas razões principais: falta de qualificação para o cargo e a perda do benefício que o deficiente recebe a partir do momento em que tem a carteira assinada. Já o Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Petrópolis (Setranspetro) informou que tem no momento 12 vagas em aberto para deficientes, mas que estão com certa dificuldade em preenchê-las. De acordo com a gerente Carla Rivetti, os motivos são a falta de escolaridade e a resistência à jornada de trabalho dos rodoviários, que não é atrativa. Quanto aos salários, Carla afirma que as empresas de ônibus em Petrópolis pagam a mesma quantia à trabalhadores com e sem algum tipo de deficiência: “É o mesmo salário, com o mesmo tipo de tratamento, treinamento e critério”.

    Ocorre que muitas empresas têm encontrado dificuldade em contratar profissionais especializados com deficiência ou até mesmo com o mínimo de preparação para as vagas disponíveis. Outras, de forma bastante desonesta, se baseiam neste mesmo argumento para não contratá-los. Luciano Monteiro, um dos fundadores e diretor por 12 anos da Pró-deficiente, conta que só com a associação há 36 vagas para as quais solicitaram que ele enviasse currículos, que eles já o fizeram, mas que as empresas não contratam: "a desculpa da empresa é dizer que o deficiente não é qualificado, mas a verdade é que as empresas querem contratar mas não querem se adaptar, não querem colocar corrimãos, adaptar banheiros, colocar rampas". Ele conta que já recebe os pedidos de currículo por parte das empresas com especificações de qual tipo de deficientes elas querem contratar. "Parece que estão escolhendo um objeto! A empresa não olha o currículo, olha a deficiência destas pessoas".

    Além disso, Marcelo afirma que a maioria dos deficientes desempregados não possui beneficio e tem, sim, qualificação. Um exemplo disso é o fato de que o número de deficientes aumentou muito devido a acidentes de moto e as pessoas antes de adquirirem a deficiência já eram qualificadas. Um dos motivos que os leva a não aceitarem alguns empregos também é o fato dos salários serem inferiores ao devido ao cargo: "algumas empresas querem oferecer para os deficientes salários inferiores que às pessoas sem deficiência", afirmou.

    O Ministério do Trabalho informou que recebe com frequência denúncia de empresas que não estão cumprindo a lei e que nesses casos ocorre aplicação de multa (corrigida anualmente) durante a fiscalização em valor que varia entre R$ 2.143,04 e R$ 214.301,53, de acordo com o porte da empresa e a quantidade de cota não cumprida. Além disso, em alguns casos, abre-se uma nova fiscalização e em determinações ocorrências é encaminhado o relatório detalhado ao Ministério Público do Trabalho, a fim de que seja aberta uma Ação Civil Pública contra a empresa que apresenta muita resistência no cumprimento da lei. Qualquer portador de deficiência, ao se deparar com alguma empresa que não esteja cumprindo a lei, pode e deve denunciar junto às Superintendências Regionais do Trabalho do Estado.

    Se houver intenção por parte das empresas, é possível, sim, adaptar-se a fim de proporcionar oportunidades iguais a todas as pessoas. O ex-diretor da associação Pró-deficiente citou o exemplo do Pólo Tecnológico em Petrópolis, no Quitandinha, que se preparou totalmente para receber deficientes com elevadores, banheiros e cozinhas adaptados. “Na fase de projeto ainda me chamaram para perguntar o que precisaria para os deficientes”, contou Marcelo. "Acho que precisamos ter uma fiscalização maior do ministério público e do trabalho nas empresas para que elas cumpram a lei e se adaptem. Aí, sim, as coisas realmente aconteceriam. E ouvir os deficientes também, não só as empresas".


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