Farmácia Modelo: referência no nome e além dele
Nas artes plásticas um modelo é uma reprodução estética de algo tido como fonte de inspiração. E ainda que na farmácia comandada pelo senhor Capella não se trabalhasse com argila ou gesso, a arte feita por ele era tida como referência. Ideal do mais alto grau, ‘Tuta’ provava que nada é mais contagioso do que um exemplo.
O ambiente sugeria a elaboração de fórmulas, mas será que as prescrições incluíam a receita de como se tornar um artista? Talvez não por escrito e nem passo a passo, mas uma vez junto ao senhor Waldemar Capello Filho, independente da idade, era possível identificar quem com ele criaria afinidade.
Vocação, aptidão, predestinação. Chame como desejar, era como se desde menino o senhor Waldemar Capella Filho soubesse que estava destinado a se tornar farmacêutico. E tamanha era a certeza que, mesmo diante das adversidades, mantinha em mente que os obstáculos eram temporários até a conquista do grande sonho.
‘Seu’ Tuta era de Paraíba do Sul e cursou o técnico em farmácia no Rio. Conta a família que, munido de pão com abóbora cozida, dava um jeito de viajar mesmo quando não podia arcar com o valor da passagem. Nesses dias, o jeito era embarcar antes dos demais passageiros, se deitar num dos bancos e fingir estar dormindo para ninguém desconfiar.
Bom, a não ser pelo rapaz que passava para checar os bilhetes dos viajantes e que, nesses dias, já o olhava como quem diz: vou quebrar seu galho. E assim o senhor Waldemar fazia sempre que a situação apertava até se formar. Nas viagens fez amizade com o também farmacêutico ‘seu’ Souza com quem estudou, se formou e permaneceu amigo ‘até morrer’.
Conta a filha do senhor Waldemar, a professora aposentada Elisabeth Ferreira Capella, de 72 anos, que ainda que a Farmácia Modelo já existisse antes do pai a assumir, foram 52 anos do ‘seu’ Tuta a frente do negócio. Movimentada e respeitada, a loja chegou, inclusive, a ter um mini supermercado no segundo piso.
“Quem trabalhou com papai foi meu irmão, o Pedro Paulo. Na vida não vi uma pessoa tão boa quanto ele. Não é por ser meu pai, mas era uma pessoa de alma pura”. Filha de dona Elisabeth, Ana Paula Capella, de 44 anos, aponta com orgulho a herança deixada pelo avô para aqueles que com ele tiveram o prazer de conviver.
“Vovô deixou essa herança de simplicidade, carinho, bom coração. Ele era de uma paciência fora do normal. Todos os funcionários de lá eram exemplares e se mostram muito gratos por terem trabalhado com ele. Meu avô tinha o prazer de ajudar e de curar. Eu e meu primo Eduardo temos o que herdar dele. Ele virou médico e eu instrumentadora”.
Principalmente no campo da saúde, ter afinidade com o campo em que se pretende especializar é imprescindível. E pode ser que tenha sido esse o primeiro elemento prescrito pelo senhor Waldemar na receita feita para a neta. Afinal, foi o visitando no trabalho e, anos depois, o acompanhando no hospital, que Ana Paula decidiu atuar como instrumentadora.
“Mais para o final da vida dele a gente passava mais tempo no hospital do que em casa. Foi quando decidi me tornar instrumentadora e tirar uma lição de tudo que eu tive com ele. Meu avô e minha avó, Lilian Ferreira Capella, faleceram com quatro meses de diferença de um para o outro. Foram 62 anos de casados. Viam televisão de mãos dadas”.
Reprodução/Internet
Bruno Avellar
A fórmula do amor
Consequência da afinidade, o amor se constrói e, pouco a pouco, faz do homem um artista. E foi no balcão da farmácia que Alexsandro Geraldi, de 44 anos, tomou como modelo e meta o relacionamento do senhor Waldemar e da dona Lilian. Ele só não esperava que com isso, aos 16 anos, fosse se apaixonar pela neta do patrão.
“Entrei na farmácia com 14 anos e com 16 para 17 comecei a namorar a Ana Paula. Me lembro que ela não tinha como chegar em mim na farmácia porque o pessoal ia começar a implicar, então ela pegava algum produto da estante e dizia que queria ser atendida por mim. Eu ficava roxo!”.
Contratado para trabalhar na faxina, Alex galgou e conquistou seu espaço tanto como empregado da loja, quanto no coração da família Capella. Passou a balconista e, dali, a funcionário do escritório. Há 29 anos junto de Ana Paula, herdou também do seu ‘Tuta’ a aptidão para a área da saúde: hoje distribui medicamentos.
Honrado em ter recebido do senhor Waldemar as maiores lições sobre a arte da vida com que poderia sonhar, Alex relembra sorridente o dia a dia na farmácia “em que não tinha para ninguém”. Gerenciada pelo simpático Jaime Nogueira de Oliveira e, mais tarde, por Júlio Roberto de Souza, a equipe se mantinha motivada a trabalhar.
Funcionária do setor de perfumaria da temporada de Natal em 1982, Elisabete Theobald, de 56 anos, lembra dos produtos que marcaram época. “A gente vendia muito aquele perfume Almíscar Selvagem. Ele era pequenininho e a moçada toda comprava para namorar. Era uma ou duas gotas e já dava aquele cheiro. Também comprei e usei”, diz entre risos.
Com compradoras que iam dos 18 aos 30 anos de idade, o perfume era a grande aposta da moçada na conquista do amor. Bom, a não ser por aquelas que optavam por jogar pelas próprias regras e a descobrir, por conta própria, a fórmula que melhor lhes atendia. Para a designer gráfica Valéria Cristina de Freitas Mesquita, de 47 anos, nada superava o flerte.
Aos 15 anos ela reencontrou na Modelo um ex-aluno de sua avó, com quem brincava quando criança. Ele, balconista; ela, acompanhante da avó. Troca de olhares vai, troca de olhares vem, o coração disparado e pronto: o flerte foi ‘batata’. Os dois começaram a sair e, quando viram, o namoro já havia emplacado.
“Ia lá para namorar com ele nos intervalos de almoço. Os encontros eram sempre cronometrados para não prejudicar o trabalho dele. O esperava na porta e íamos lanchar. Levamos o namoro adiante por anos nos encontrando nos finais de semana, feriados e férias, mesmo comigo morando em Belo Horizonte”.
Garantia, ao menos pelo que contam as meninas, de colírios, a Modelo era também conhecida pela ‘mão leve’ de Fausto Antonio de Andrade, que por 22 anos foi referência na aplicação de injeções na farmácia. Bom, não só lá, mas na cidade. Afinal, hoje, aos 61, ele nem pensar em parar de exercer a prática que lhe garantiu a confiança do povo.
“A gente aplicava uma média de 100 a 110 injeções por dia na Modelo: vacinas de alergia, todo o tipo de injetáveis. Só o tempo de prática leva à perfeição. Uma das melhores coisas que a gente pode fazer é ajudar alguém no trabalho. Hoje atendo crianças que tomavam vacina comigo naquela época e que já têm filhos e até netos”.
Sem passo a passo ou receita pré-estabelecida, a Modelo provou que a melhor prescrição é aquela que vem da inspiração.
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