• Enem em janeiro de 2021: para que serve o exame? Corrigir injustiças ou agravá-las?

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  • 20/07/2020 00:01

    Na última semana o Ministério da Educação por meio do secretário-executivo do MEC, Antonio Paulo Vogel (devido à falta de ministro na Educação após a saída de Abraham Weintraub) e o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), Alexandre Lopes, anunciou as novas datas do ENEM – a ser realizado nos dias 17 e 24 de janeiro de 2021; a versão digital em 31 de janeiro e 07 de fevereiro e a reaplicação dos testes em 24 e 25 de fevereiro. O resultado está previsto para divulgação a partir de 29 de março. 

    A decisão do MEC contraria a enquete que o próprio Ministério lançou para consulta pública. O resultado foi: 49,7% dos votos para a aplicação da prova em maio de 2021, 35,3% votaram pela prova em janeiro de 2021 e apenas 15% pediram o exame em dezembro deste ano. Contudo já cabe ressaltar que em nenhum momento foi explicado aos estudantes às possibilidades dentro de cada alternativa. Por exemplo, como ficaria o ingresso dos estudantes nas universidades públicas pelo SISU e nas universidades particulares pelo PROUNI no primeiro semestre de 2021, caso a prova fosse aplicada em maio? A enquete foi feita e a meu ver, baseada para interpretação livre da realidade individual de cada estudante. Por isso, talvez, a maioria dos votos, tenha sido para a realização do exame apenas em maio, uma vez que os alunos da escola pública não estão participando ativamente das aulas e sem previsão para retorno. 

    A justificativa do MEC para a realização do exame em janeiro de 2021 é ser uma data menos danosa afim de que não se perder o segundo semestre do próximo ano. Uma observação é que a data divulgada é ainda uma semana a frente da que estava para votação, ou seja, se quer estava na enquete. O MEC ainda divulgou a possibilidade de três edições do SISU, ao invés de duas como é feito normalmente e nesse caso o primeiro SISU desses três utilizaria as notas do ENEM de 2019. Ou seja, teríamos um novo calendário para ingresso na universidade ou a nota do ENEM aplicado em janeiro seria utilizada apenas para o segundo semestre? Faltam explicações, mas falta um debate ainda mais importante: a desigualdade diante das escolhas. 

    Diante do cenário atual é impossível falar sobre o ENEM e não abordar as questões de desigualdade que o rodeiam e já o cercavam muito antes da pandemia. O sistema de cotas é um exemplo de medida para nivelar minimamente a desigualdade entre os estudantes de nível superior que todos os anos concorrem às vagas para universidades. Sempre foi ilusório pensar que aplicar a mesma prova para estudantes de rendas diferentes, escolas diferentes e classes diferentes, sem a menor chance de equidade, daria certo em algum momento; e é um perigo pensar que agora, em meio a uma pandemia, não seja necessário equilibrar esse sistema. Embora todos os estudantes que farão o ENEM estejam sendo, de alguma maneira, afetados pela suspensão das aulas presenciais, existe uma grande parcela que vive em situação de vulnerabilidade social, e são esses que serão ainda mais afastados da linha de chegada à universidade. 

    Vale ressaltar que as questões que rodeiam a vulnerabilidade social mencionada, não se referem apenas ao acesso à internet, computador ou a livros. Muitos estudantes que devem prestar o ENEM em janeiro de 2021 vivem em habitações precárias, em condições subjetivas, compartilhando o pouco espaço com muitas pessoas, o que rapidamente pode ser compreendido como a falta de estimulo, incapacidade e ausência de possibilidades para o estudo individual. Nesses casos compreende-se que as cotas sociais e raciais não corrigem as desigualdades de forma plena em meio à situação de pandemia, não é mesmo?! Os estudantes mais vulneráveis da rede pública estarão concorrendo em desvantagem, uma vez que a escola – que poderia ser o único ambiente ainda que com pouca estrutura para os estudos -, lhe foi retirada.

    O ENEM é um exame do ensino médio e é impossível pensar na sua avaliação quando se perde quase um ano inteiro desse importante processo de três anos. É uma lástima que o governo pense que ele não serve para corrigir as desigualdades, nas palavras do ex-ministro da educação, Abraham Weintraub: “O ENEM não serve para corrigir injustiças”, tão pouco para agravá-las. 

     

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