• Eleições, Felipe Neto e seus (outros) equívocos

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  • 11/08/2020 00:01

    Eleições livres não são a essência da democracia. Antes que você, caro(a) leitor(a), pense que fui tomado por um surto autoritário, eu me explico: a saúde de uma democracia se mede pelo que acontece entre as eleições. Ou seja, pelo grau de controle efetivo que o eleitor tem sobre seus representantes ao longo do exercício do mandato. No Patropi, é praticamente zero. A raiz da desilusão do eleitor brasileiro e a cobrança da mídia de que é preciso votar bem se esboroam no vazio pela falta de mecanismos de acompanhamento do dia a dia dos políticos. É a receita certa para ter maus políticos e o bem comum ignorado. 

              Embora eu esteja correndo o risco de propagar o óbvio ululante, esta visão pouco denunciada não é compartilhada, com a devida frequência, pela grande mídia, jornais e TVs, e mesmo por YouTubers como Felipe Neto. Citado no Espaço Opinião do New York Times e no Trending Topics do Twitter, com 39 milhões de seguidores, ele ganhou espaço na mídia internacional e nacional. Em uma de suas entrevistas, dada à Rita Lisauskas, que lhe fez críticas de difícil digestão, reconhecidas em parte por ele, Felipe Neto buscou se explicar.

          Tendo recebido uma educação católica ortodoxa, ele se penitencia por seus valores homofóbicos, machismo, apoio ao golpe de 1964, y otras cositas más. Isso, diz ele, ficou no passado em muitos vídeos que tomou a inciativa de apagar. Define-se hoje como progressista, politicamente de centro-esquerda. Aprendeu a ouvir homossexuais, negros e mulheres. Passou a denunciar o que qualifica de reacionarismo crescente da política brasileira. Em sua visão, a bancada evangélica busca o resgate do século XVI, mas na verdade é a defesa de valores reacionários. Assumiu a luta contra os fascistas empoleirados hoje no poder em Brasília. Ele simpatiza com as ideias de Ciro Gomes, troca mensa-gens com Luciano Huck e é próximo de Marcelo Freixo. Por fim, reclama ser vítima de Fake News, que vêm lhe causando muitos problemas para desmentir.

            Calçar as sandálias da humildade, estudar muito e ler mais passou a compor seu novo eu. Entretanto, essa atitude saudável nem sempre nos livram da desinformação sobre nossa própria história. Evitando o salto alto, eu reconheço que até os 40 anos de idade (estou com 75), eu não me dava conta de que ignorava fatos de nosso passado apagados, de má-fé, pela nossa malfadada experiência republicana. Exatamente a mesma situação em que se encontra hoje o jovem e bem sucedido YouTuber.       

            A primeira coisa que me veio à mente nessa linha foi uma conversa que tive com o historiador José Murilo de Carvalho, profundo conhecedor de nosso século XIX, no início da década de 1990. Foi um comentário dele sobre alunos de mestrado que pensavam que a história brasileira começava com a revolução de 1930. De lá para cá, houve avanços positivos no sentido de redescobrir fatos e vultos históricos colocados na penumbra ou simplesmente ignorados. Uma boa safra de livros e pesquisas estão ajudando o brasileiro a se atualizar e a desconfiar do que aprenderam em aulas de história de viés marxista.  

             Passo agora a fazer um contraponto entre o que fomos e no que nos tornamos em função desse longo e pernicioso apagão de nossa identidade nacional com reflexos danosos em nossa autoestima nacional. 

             Outro dia, almoçando com familiares, veio à tona a figura estampada em todas as notas brasileiras. O rosto que ali aparece seria o da república que, a rigor, deveria estar com a mão na face olhando para baixo de tanta vergonha pelo resultado, após 130 anos: corrupção sistêmica, representatividade capen-ga e brutal desigualdade. Na minha juventude, as figuras homenageadas eram de Pedro I, Pedro II, Princesa Isabel, Duque de Caxias, dentre outros, de méritos reconhecidos por serviços prestados ao País. Ainda comentei que nos EUA as grandes figuras de sua história, como Washington, Lincoln, Benjamin Franklin, estão lá desde sempre sem que ninguém ouse substituí-las.  Ainda relembro as mudanças de nomes de praças e ruas tradicionais pelas fatídicas 15 de Novembro, que em Petrópolis voltou a ser Rua do Imperador.

    Todavia, a metamorfose operada na visão de mundo de Felipe Neto nos permite ilustrar as origens desconhecidas por ele do desastre em que nos metemos. Homofobia e machismo podem ter outras causas, e não apenas o que atribui a fatores de sua formação religiosa católica cujo princípio maior é o amor ao próximo aplicável a homens e mulheres e a homossexuais, vale dizer, tratar a todos com o devido respeito. Cristo foi o mensageiro da igualdade de todos perante Deus, princípio ético inexistente na tradição greco-romana. 

    O golpe de 1964 nasceu de outro fatal, datado de 1889, em que se jogou por terra uma moldura político-institucional capaz de manter os políticos sob rédeas curtas, com prestação de contas semanais de seus atos de governo, como se faz ainda hoje na Inglaterra e se fazia ao longo do nosso século XIX. Ou seja, o problema vem de longe e vai continuar enquanto não houver mecanismos atuantes como voto distrital puro, revogação de mandatos pelos eleitores e bônus por desempenho nas obras públicas. Nestas, uma seguradora independente acompanha a empresa executora da obra, com remuneração tanto maior quanto menor for o custo e o tempo de sua realização. Nada na entrevista revela ter ele consciência da importância dessas reformas cruciais.

         Quanto à simpatia por Ciro Gomes e a proximidade com Marcelo Freixo têm o sabor de quem brica com fogo, ignorando o perigo. As propostas de ambos no sentido de reestatizar o que foi privatizado é a garantia certa de reabrir as portas à corrupção sistêmica implantada pelo PT, que ele critica acidamente. São ligações políticas perigosas e que agravariam os problemas que hoje travam a economia brasileira. Por fim, o século XVI, não foi apenas o da Inquisição, mas também o do Renascimento que tantos avanços trouxe para a humanidade. Livrar-se dos equívocos do conservadorismo extremado para cair na armadilha gramsciniana não vai funcionar. O meu vídeo no YouTube, A Enganação de Gramsci, poderá ajudá-lo a não cair nela. Basta digitar o título desse Dois Minutos com Gastão Reis ou colar no Google o seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=gaQbFqV07zM

     

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