• Elas avançam, mas discriminação não acabou

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  • 04/03/2018 07:00

    O movimento feminista no Brasil tem, ao longo de décadas, acompanhado demandas cada vez mais urgentes das mulheres. Um dos primeiros movimentos de que se tem registro é o Sufrágio feminino, a luta das mulheres pelo direito ao voto, conquistado em 1932. Após ele, muitas outras lutas foram travadas em favor de políticas públicas que abracem a mulher. O direito à educação, à libertação sexual, ao uso da pílula anticoncepcional, às oportunidades e equiparação salarial em relação aos homens no trabalho, à maternidade e à legalização do aborto são alguns dos assuntos discutidos há mais de um século e que seguem em pauta. 

    A falta de oportunidades e espaço no meio social, que, culturalmente, é dominado por homens, tem feito as mulheres soltarem a voz. A necessidade de defender um espaço que é, por direito, feminino, tem ajudado a construir um novo feminismo. Rostos cada vez mais jovens vão às ruas com cartazes e palavras de ordem, para chamar atenção para problemas que são não só uma questão social, mas de direitos humanos: a violência doméstica, o assédio (físico e emocional) e o femínicidio.

    A última edição do Dossiê Mulher, lançado no ano passado, referente ao ano de 2016, pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Estado do Rio, revelou que, exceto nos casos de homicídio doloso (quando há intenção), as mulheres representam mais da metade das vítimas de todos os indicadores de violência analisados na pesquisa. Na violência física, os casos de lesão corporal dolosa representam 63,8% das ocorrências. No indicador violência sexual, somam 85,3% do total de vítimas de estupro; 90,8% das vítimas de tentativa de estupro; e 93,3 das vítimas de assédio sexual. Em violência patrimonial, elas representam 69,4% das vítimas no que diz respeito à violação de patrimônio, 72,5% em violência moral e 65,4% em violência psicológica nos casos de ameaça.

    Esses dados gritantes só evidenciam a necessidade de criar ações efetivas em favor dos direitos da mulher. Movimentos feministas e a criação de conselhos por parte do governo é o que tem garantido alguma visibilidade e apoio a essas mulheres. Em Petrópolis, além do Centro de Referência em Atendimento à Mulher (CRAM), que dá assistência a mulheres vítimas de violência, e o Núcleo de Atendimento à Mulher (Nuam), que funciona na 105ª Delegacia de Polícia, no Retiro, há o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Comdim) que trabalha em conjunto ou paralelamente com o CRAM e o Gabinete da Cidadania, atendendo as vítimas de discriminação e violência.

    Para a presidente do Comdim, Ana Maria Rattes, o trabalho já começou, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Para ela, “a discriminação contra a mulher vem sendo cultivada culturalmente e, infelizmente, ainda está enraizada na sociedade”. “A gente fala muito de violência doméstica, porque é uma violência que persiste dentro de uma relação afetiva ou que deveria ser afetiva, mas não se atenta que a maior violência que existe contra a mulher é o fato de ela não ter seu espaço garantido na sociedade. A mulher não é respeitada na sociedade doméstica, porque não é respeitada como cidadã. Se houvesse igualdade de condições com o homem ou com os parceiros do sexo masculino, em casa, ela seria respeitada. Porque seria uma relação de igual para igual, e não como é hoje” afirmou a presidente. 

    Membros do Comdim vêm trabalhando em uma proposta de modificação na lei de criação do conselho, ampliando o número de cadeiras para a sociedade civil, aumentando o número de conselheiros, e criando comissões. A realização de ações itinerantes nos bairros é outro projeto do conselho que, segundo a presidente, vai ajudar a criar proximidade com as mulheres que precisam de assistência, mas não conhecem o conselho. “É uma questão cultural que tem que mudar e, por isso, estamos fazendo vários trabalhos no Gabinete da Cidadania com as minorias que não têm voz”, destacou.

    Sororidade: o único movimento capaz de unir as mulheres

    Assim como Ana Maria destacou o trabalho do Conselho na formulação de políticas para dar visibilidade e espaço para as minorias, jovens mulheres têm se unido e formado grupos feministas para debater e enfrentar comportamentos machistas nos ambientes por onde passam no dia a dia: em casa, no trabalho, na rua, em escolas e universidades.

    O Coletivo Clã das Mulheres é um desses grupos. Nasceu de um encontro de um pequeno grupo de vinte mães no facebook. Hoje, com cerca de 400 membros, o coletivo ganhou forma e, principalmente, voz. No ano passado, participou ativamente do 8M, Greve Internacional de Mulheres, que aconteceu no dia 8 de março na cidade, no Dia Internacional da Mulher. O movimento é realizado em mais de 30 países e capitais brasileiras e tem como proposta a paralisação total ou parcial das mulheres neste dia, como forma de chamar a atenção para questão da violência contra a mulher, direitos e políticas públicas. 

    Cristiane Monteiro, membro do coletivo, contou que o grupo surgiu de uma necessidade. Naturalmente começaram a se reunir com mais regularidade para criar ações pelo direito da mulher. Tem o projeto Cine Pagu, que é um cineclube com recorte feminista, com sessões que acontecem no Centro de Cultura, e são realizadas discussões após a exibição dos filmes sobre a temática proposta. Além disso o grupo participou de eventos como a Maratona de Filosofia e o TED Petrópolis, que aconteceu em novembro do ano passado. 

    Apesar de recente, o Coletivo Clã já deu frutos. Alunas do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET – Petrópolis) se inspiraram no grupo e criaram o Coletivo Feminista Bertha Lutz. “No Cefet há três cursos voltados para a área de exatas, então é uma área geralmente machista. Por isso, as meninas sempre ouviam piadinhas de como as meninas eram inferiores, inclusive de alguns professores. A frequência com que aconteciam essas coisas acabou fazendo com que nos uníssemos. O sentimento de indignação fez com que nascesse o Coletivo”, disse a aluna do curso de Física e membro do Coletivo, Taiana Cardoso.

    A primeira manifestação das alunas foi no dia 8 de março, quando colaram cartazes pela instituição com alguns dizeres discriminatórios que ouviam dentro e fora das salas de aula. Após isso, unidas, começaram a fazer ações de conscientização e defesa do espaço feminino dentro do Centro. Com isso, deram forças para que outros alunos começassem a se manifestar dentro de movimentos como o negro e o LGBT. Outra conquista do Coletivo foi a aquisição por parte da Centro de um fraldário em um dos banheiros, que não havia nenhum.

    Agora, na próxima quinta-feira, dia 8 de março, será um marco para esses, entre outros, grupos feministas da cidade. Os Coletivos e uma frente ampla de mulheres, composta por diversas instituições e movimentos sociais da cidade, realizarão o ato público 8M. Com o tema “O machismo nos fere, mas não nos cala!”, o evento reunirá nas ruas do Centro Histórico todas as pessoas que lutam em favor dos direitos civis, políticos e sociais das mulheres. 

    A concentração será às 17h30 na Praça da Inconfidência, o início da marcha será às 18h30, até a Praça Dom Pedro. No fim da marcha terão atividades culturais homenageando algumas histórias de mulheres importantes no feminismo.


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