• Depois do carnaval

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  • 30/01/2016 12:00

    A ideia de que o país só volta ao ritmo normal depois do carnaval já está na cultura popular. Um amigo, que não é brasileiro, embora esteja aqui há anos, ainda não se habituou a esperar o carnaval passar para colocar o seu bloco na rua. Nessa semana que passou, lamentou comigo:

    – Não consegui resolver nada até agora, todas as reuniões foram marcadas para depois do carnaval. Quando fui fazer o relatório para enviar ao meu país, tive que escrever: “as respostas das licitações só serão liberadas depois do carnaval”.

    A cultura do povo dele é bem diferente. Lá, a educação é primordial, o professor é muito respeitado. Eu o admiro muito, pela simplicidade e dedicação ao trabalho. Sempre coloca a humildade em primeiro lugar.

    Algumas escolas enfrentarão o desafio de iniciar as aulas antes do carnaval, mesmo correndo o risco de contabilizar muitas faltas. É preciso quebrar o estigma de que o brasileiro só começa a trabalhar depois do carnaval.

    Neste ano, muitas cidades não promoverão as festas carnavalescas. Um a cada cinco municípios decretou estado de emergência ou de calamidade por causa dos desastres naturais reconhecidos pelo Governo Federal. Como se não bastasse essa situação provocada pelas enchentes ou pela seca, surgiu a preocupação com as doenças transmitidas pelo mosquito aedes aegypti. Este veio antes do carnaval e afetou várias famílias pela transmissão do vírus zika, da dengue e da chikungunya. 

    Só pelo avanço crescente da microcefalia, acho que o país poderia decretar um estado de emergência, pois são 3.381 casos suspeitos em todo país. Fato constatado em 830 municípios. Depois do carnaval, outros casos surgirão, pois com a continuidade das chuvas, o mosquito encontrará mais lugares para reprodução.

    Para que o Governo Federal venha decretar estado de emergência, entre outros fatores, é necessário que até nove escolas, hospitais públicos, casas ou obras de infraestrutura sejam afetados e tenha até nove pessoas mortas, ou quando comprometer entre 5% a 10% do abastecimento em áreas com mais de 10 mil habitantes. O caso é considerado de calamidade pública quando supera esse estado de emergência. É válido mencionar que o período de duração do estado decretado é de 180 dias. Após uma análise dos órgãos da União, é possível a liberação de verbas para tais municípios e as pessoas atingidas recebem permissão para sacar o FGTS e pode haver a antecipação do pagamento do programa Bolsa Família. Mediante esse decreto, as prefeituras podem comprar produtos ou contratar serviços sem licitações. 

    Acho sensata a decisão dos prefeitos que cancelaram os festejos carnavalescos por causa da situação calamitosa dos municípios que administram, empregando a verba destinada à festa no atendimento das necessidades da população.

    O carnaval não pode ser um anestésico para os problemas sociais, não pode ser visto como um mecanismo de fuga, uma catarse da situação vigente. Não é justo colocar debaixo do tapete os problemas da população e esperar o carnaval passar. O humor do brasileiro é tão criativo que chega a ironizar a própria situação trágica que vive: usa até fantasia de palhaço. 

    Não jogo no time dos alarmistas, nem sou do bloco dos que acham quanto pior melhor, mas pelo que se constata no país, a saúde encontra-se em estado de emergência. Na passarela dos hospitais públicos, o samba está atravessado, sem harmonia e desafinado. O grito que se ouve é de dor. E esta não é nada carnavalesca, está o ano inteiro na boca do povo. E a comissão de frente desta escola de samba está batendo cabeça: – olha o aedes aegypti aí, gente!

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