• Declarações de amor e ódio

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  • 30/04/2020 12:00

    Têm sido frequentes as comparações entre as negociações políticas com os estágios de um relacionamento afetivo. Não vejo tanta similitude entre a prática política partidária, na qual predomina o jogo de interesse, e o matrimônio, no qual se pressupõe a existência do amor. Mas quando o relacionamento conjugal ocorre também por interesse, talvez possa ser comparado a um ato político, uma vez que pode ser considerado apenas como um contrato social. E, consequentemente, há prazo de validade e cláusulas contratuais. Não há, portanto, o propósito do “foram felizes para sempre” em nenhum dos casos. A verdade é que não existe amor sem o desejo do eterno.

    A eternidade viniciana pela intensidade do amor no instante vivido não ocorre quando há somente interesse no relacionamento. Ficar ao lado de alguém sem ter a mínima afinidade torna-se apenas um teste de tolerância que, às vezes, beira ao insuportável por ser torturante. Até a conveniência estabelece limites. Ninguém passa a vida inteira fingindo que é feliz, porque, um dia, a felicidade frustrada se expõe e polariza as contradições das partes envolvidas. Há sempre o dia em que as lágrimas saltam do travesseiro, não prendem mais o choro, as máscaras se desprendem e a verdade emerge como libertação. E quem guarda rancor pede vingança. Por essa razão, denunciam-se os podres velados.  As falsas declarações de amor, logo são suplantadas pelo veneno do ódio. É o momento em que a violência se expõe de maneira cruel, carrega consigo o vale tudo da vingança. É nessa hora que se vê a dimensão do fingimento.

    É um equívoco dizer que o amor é cego. A paixão é que restringe a visão sobre a realidade, assim como a obsessão pelo poder anula a sensibilidade social, por isso não ouve o clamor do povo, nem mede esforços para cercear a liberdade.

    Relacionamento conjugal ou político sem liberdade manifestam o autoritarismo que não respeita a individualidade. Em convivência conjugal autoritária, um sempre vai ficar subjugado ao outro, pois a tirania é castradora. A democracia também sem liberdade não existe.

    Acho mais adequada a expressão “união estável” para registrar a convivência com a finalidade de constituir uma família sem os rituais e as promessas que são feitas perante Deus no matrimônio. Em se tratando da atual conjuntura política, a união é instável entre os poderes da Nação. E as consequências dessa instabilidade estão expostas no sofrimento do povo.  No pico de uma pandemia, é vergonhoso o desconcerto: o povo sem ter onde cair morto, corpos empilhados em caminhões frigoríficos na frente de hospitais, cidadãos dormindo em fila de banco na esperança de uma ajuda…

    Não é possível cantar afinado com a insensibilidade social. No descompasso entre o executivo e o legislativo, é fácil identificar as raposas velhas, as cobras criadas que se aproveitam da fragilidade dos poderes pobres para barganhar cargos e verbas. Isso ocorre, porque não há comprometimento com a honestidade.

    Outro equívoco evidente está em querer relacionar a estupidez à franqueza e à sinceridade. É possível ser franco e sincero sem ser indelicado e insensível. A ternura, o respeito ao sentimento dos outros são gestos simples de educação que não demonstram fragilidade. Em várias circunstâncias, a insegurança reage com agressividade pela dificuldade de resolver problemas por meio do diálogo.

    A durabilidade de uma relação está na reciprocidade do amor, porque este “é paciente, o amor é benigno, não é invejoso; o amor não é orgulhoso, não se envaidece; não é descortês, não é interesseiro, não se irrita, não guarda rancor; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” (I Cor, 13, 4-7)

     

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