• Cultivando boas companhias na Chapelaria e Cutelaria Esmeralda

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  • 01/01/2019 11:22

    Arquitetados de forma a sustentar um aramado de hastes, os guarda-chuvas partem de uma base sólida, capaz de torná-los resistentes ao tempo. E tal qual a estrutura, pode-se dizer que a Chapelaria e Cutelaria Esmeralda fez surgir galhos que crescem em direções diferentes, mas têm como mesmo alicerce um espanhol que criou raízes por onde passou. 

    Até as maiores árvores, começam por baixo. E talvez tenha sido essa uma das principais lições deixadas pelo senhor Hilário Gonzalez Dominguez Sobrinho. Imigrante, veio para o Brasil ainda rapaz e consolidou, ao lado da figura do tio, a mais tradicional cutelaria da cidade. Quando fechou as portas, o negócio já havia completado 70 anos.

    Fora a loja, uma das primeiras sementes cultivadas pelo espanhol em Petrópolis foi a união com Cler Isaac Dominguez. Aos 77 anos, ela relembra: “Eu morava de um lado do Itamarati e ele do outro, no Loteamento. A casa dele dava de frente para a minha. Ele me via sair e saía também para encontrar comigo na rua. E assim foi. Fiquei casada por 48 anos”.

    Conhecido pela venda de chapéus panamá, o estabelecimento era parada obrigatória de quem precisava amolar tesouras, alicates de cutícula e instrumentos hospitalares. Isso sem falar na compra e conserto de guarda-chuvas. Em terras onde dia sim, dia também, há chuva, o ferreiro ia contra o ditado, e tinha sim espeto de ferro. 


    Cler conta que chegou, inclusive, a costurar algumas capas dos guarda-chuvas, de fabricação própria da loja. “O Hilário buscava a armação em São Paulo ou no Rio e a montava: colocava o tecido, mandava para as costureiras fazerem as capas. Havia pessoas que desfilavam em escolas de samba e que iam lá para forrarem os guarda-chuvas do jeito que queriam!”.

    Quem também, imediatamente, relaciona o empreendimento à costura é a professora aposentada Christina Pires, de 59 anos: prova de que as lembranças do espaço são garantia de sorrisos e dias bem vividos. Isso porque a simples imagem da fachada da Esmeralda a remete à avó, Zulmira Fernandes da Costa Pires.

    “Minha avó prestava serviços de costura para eles. Me bateu uma saudade, não de tristeza, mas de lembrar de uma mulher de fibra, guerreira, batalhadora; que mesmo com seus 70 e poucos anos, trabalhava animada. É uma inspiração para a gente. Ela pegava ônibus com aqueles pacotes de capas. Ia e voltava de ônibus. Pra mim era tudo”. 


    Frutificando

    Onde se planta, se colhe. E na Chapelaria e Cutelaria Esmeralda, são muitos os ramos derivados do tronco erguido pelo senhor Hilário. O cuteleiro Alberto Carlos Sindorf, de 54 anos, mais conhecido como “Beto” do Edifício Vitrine, se orgulha em dizer que foi na Esmeralda que aprendeu a profissão.

    “Entrei lá quando eu tinha uns 15 para 16 anos. Trabalhei lá por 11 anos, sendo que durante três deles fui balconista. Aprendi a profissão lá: toda a parte de chaveiro, cutelaria, conserto de guarda-chuvas. Dali eu montei meu próprio negócio. Só aqui nessa lojinha do Edifício Vitrine estou há uns 25 anos”.

    Contagiante, o simples contato com a profissão se tornou um divisor de águas para Ubiratan Jorge, de 41 anos. Tendo trabalhado com Beto, quando este já havia saído da Esmeralda, carrega alguns dos valores daquele que foi seu primeiro trabalho. A paciência e a persistência são alguns dos pontos-chave que faz questão de carregar consigo.

    “Infelizmente não atuo mais na área. Há sete anos cuido da minha avó, que tem Alzheimer. Meu pai é falecido e meu avô faleceu logo depois. Somos só eu e ela. Trabalhar no balcão e aprender a profissão de cuteleiro me tornou o que sou hoje: alguém que gosta de conhecer pessoas diferentes e as histórias de cada um. Tudo que eu vivi no passado, vivo hoje”. 

    Gratidão

    É como dizem: não fique triste porque terminou, mas feliz porque aconteceu. Com a voz embargada de emoção, a doceira Clarice Isaac Gonzalez Dominguez, de 54 anos, filha do senhor Hilário, relembra a infância, juventude e vida adulta no império do pai. Aos seus olhos, mesmo em diferentes capítulos de sua vida, a loja sempre encontrou formas de surpreendê-la.

    Se quando pequena eram as ferramentas que lhe causavam fascínio, anos mais tarde era a clientela que dava significado ao empreendimento. “Meu pai fechou a loja numa sexta e, no domingo, assistindo futebol, passou mal e nunca mais voltou para a cutelaria. A cidade toda rezou por ele quando ficou sabendo. Foi uma corrente de fé”. 

    Vítima de um acidente vascular cerebral, “seu” Hilário chegou a se recuperar do derrame, mas adquiriu uma bactéria no hospital e lutou contra ela por um ano e meio. Clarice explica que, naquela mesma época, o primo de seu pai, Hilário José, também adoeceu, o que fez com que ela, então grávida, e seu primo Pedro Henrique, caíssem no negócio “de paraquedas”.

    “Foi aí que entendi que a cutelaria funcionava como um consultório sentimental. Cresci ali vendo meu pai ser muito cortês. As principais clientes eram as manicures. Meu pai era o xodó delas. Os funcionários também foram fundamentais naquele período, tanto que os chamo de Família Esmeralda”. 

    No ano de 2011, a um mês de fechar as portas, foi realizada uma liquidação no estabelecimento. Segundo Clarice, “as pessoas correram para levar um pedacinho daquela história”. Uma delas é o aposentado Júlio César Santos, de 59 anos. Ele presenciou o último dia de funcionamento da Cutelaria e conta sua experiência.

    “Foi muito triste e emocionante. Eu adorava aquele lugar e fui cliente até fechar. Era uma loja única. Que eu me lembre, não tinha nenhum concorrente. A gente se sentia acolhido. Era um atendimento muito familiar e pessoal que garantia o retorno do público. Sempre tive uma ligação afetiva muito forte com o comércio tradicional de Petrópolis”.

    Questionada sobre o que, a seu ver, trazia encanto à Chapelaria e Cutelaria Esmeralda, Clarice aponta a garra do pai: “acho que é uma história de amor: de família, de casal, daquilo que te faz uma base, que forma uma união. Ele falava pouco, mas no pouco que falava transmitia lições. Houve uma época em que ele já não podia mais sorrir, mas os olhos estavam sempre brilhando. Ele sempre mostrava para a gente que estava feliz em estar ali”. 

    Tendo enfrentado uma tuberculose em 2008, perdido um filho em 2009 e sendo paciente de câncer, Clarice Isaac Gonzalez Dominguez é espelho daquele que tanto a inspira e ilumina. Guerreira e mãe da bela Maria, de oito anos, compõe um dos galhos da árvore que encanta e continua a render frutos.

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