• Coxinhas, mortadelas e pizzas

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  • 12/09/2016 12:00

    A metáfora é a figura de linguagem mais conhecida. É bastante usada pelos poetas, quando estabelecem uma comparação implícita, explorando a significação conotativa, criando imagens para expressar o pensamento. As gramáticas chamam as metáforas desgastadas de catacrese. Embora esta seja usada por falta de um termo específico. Como "o pé da mesa”.

    Tenho um gosto pelas metonímias. Usadas pelos falantes, mas sem exigências poéticas, são frequentes na linguagem popular. É comum usar o continente em referência ao conteúdo: “beber um copo d'água”, “comer uma caixa de chocolate”. Citar o nome do autor para se referir à obra: “ler Machado de Assis”. A parte pelo todo: “não ter teto para morar”. Foi pelas figuras de linguagem que comecei a pensar nos termos “coxinha” e “mortadela”, no contexto das manifestações políticas que vêm acontecendo no País, principalmente na capital paulista. Foi lá que a palavra “coxinha” ganhou uma função adjetiva, com conotação pejorativa para designar pessoas conservadoras com certo poder aquisitivo, que participam das passeatas, mas não deixam de preocupar-se com a etiqueta da roupa que veste. Tal adjetivação se assemelha às características atribuídas aos “mauricinhos” e às “patricinhas”. Gírias estas que, décadas passadas, eram muito usadas no Rio.  Em síntese, a “coxinha”, palavra usada para designar um tradicional “salgadinho”, vendido em lanchonetes, ganhou a significação de “emergente”, “burguês”. Este muito criticado por Mário de Andrade, no início do século XX.

     Em uma antítese ao termo “coxinha”, foi empregada a palavra mortadela, para se referir aos manifestantes de baixa renda, contratados para carregar bandeiras de partidos políticos ou de centrais sindicais em passeatas. E, após as manifestações, recebem uma certa quantia em dinheiro e um lanche com mortadela. Esse termo também foi empregado pejorativamente para caracterizar uma militância sem identidade ideológica, ou seja, a participação nesses protestos é vista como um “biscate”, um serviço temporário.  

    Em resumo, os que são chamados de “coxinhas” passaram a denominar os manifestantes opositores de “mortadela”.

    “As pizzas” são velhas conhecidas em Brasília. Trazem, de longa data, a ideia da impunidade. É comum ouvir, diante de uma investigação política, a expressão: “isso não vai dar em nada, vai acabar em pizza.” – Alguns dicionários já apresentam essa conceituação popular.

    As Comissões Parlamentares de Inqueridos (CPIs) caíram no descrédito da opinião pública, pelo fato do povo não ver punição exemplar para os envolvidos em transações ilícitas. 

    Confesso que viajo na linguagem. Gosto de ver a versatilidade linguística do povo. As palavras me fascinam. Quantos corações já se renderam diante de uma metáfora? Quem não gosta de ouvir uma palavra de conforto? Quantos já procuraram os tribunais em defesa da honra contra injúrias e calúnias?

    Sempre que posso, tento mostrar que é preciso ter ética até mesmo no uso das palavras. Por isso, acho que a democracia não pode ser vilipendiada pelas ofensas morais. Lutamos pela liberdade de expressão: “coxinhas” e “mortadelas” podem protestar dentro dos princípios democráticos. Contudo são inadmissíveis as cenas de violência, as depredações, a selvageria insana. A civilidade se mostra também por meio de atitudes e no uso adequado das palavras. A dignidade também se conquista honrando a palavra dita. Em período eleitoral, a palavra é maltratada, é usada distante da verdade.

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