• Coração Itinerante

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  • 07/04/2016 10:45

    Éramos crianças lá nas cercanias de Hermogêneo Silva, Distrito de Três Rios, onde nascemos. Existia um velhinho de nome Faustino de baixa estatura, barbas brancas e pele de ébano. Fumava cachimbo e andava descalço e dizia-nos que com seu calcanhar poderia matar uma cobra ante a enorme calosidade. Fazia pequenos serviços para nós da redondeza. Era bom e paciente conosco. Não se sabe como surgiu o hábito, nem quem o criou, mas, fato é que quando o acenávamos, dizendo-o: “coração dói”, ele respondia: “ah, dói…” E nós em algazarra sempre que o víamos passar, íamos logo atrás dele proferindo repetidas vezes: “Seu Faustino, “coração dói…” e ele logo respondia “ah dói…” E isso, por dezenas de vezes, sem qualquer irritação ou mal-humor. Gostávamos dele e do som que emitia. Era sereno e suave. Saudosismo ou não vem à memória a Terra Natal, das missas, ladainhas, terço e coroações de Nossa Senhora. Rememoro o cair da tarde e as histórias que mamãe contava, sentados na imensa pedra estofada que adornava o grande portão de nossa casa onde havia um pontilhão feito em braúna. A linha do trem e a rodovia eram próximas. Isso me levou a ser atropelado aos quatro anos quando papai estacionou seu automóvel. Marina, minha irmã foi buscar seus pertences que ali deixara e não percebeu que eu a segui e fui jogado por muitos metros à frente do atropelador.Fui levado ao   hospital. Minha casa era antiga e bonita, fiel ao estilo colonial, repleta de vidraças enormes e em seu interior existiam cercaduras azuis todas contornadas por andorinhas. Vez por outra deixo a marca dos pássaros nos desenhos. À frente do casarão era toda adornada de mangueiras, coqueiros, ipês, mulungus e flamboyants. Eles dividiam o cenário com bromélias suspensas em suas frondosas hastes.Vários artistas plásticos, dentre eles o consagrado Samuel Salvado retrataram-na em vários ângulos. Eu gostava de plantar flores e regá-las, mais ainda, de ouvir pelo rádio “a escolinha do caçula”, se a Marly deixasse. Fui aluno de Tia Sebastiana, Geny e Alice Gac, Sylvia Siqueira e Philadelphia Baptista Reis, que tem morada certa em meu coração. Impossível esquecer os Pes. Ferdinando Osimani e Geraldo Lima, D. Martha, Carmen, Rose Heleni, Eudóxia, Dulce Neves e irmãos, Família Ramos, etc.  Minha Mãe dormiu o sono eterno aos 83 anos e onze meses de vida, 58 anos e 4 meses deles, sem contar os nove meses que habitei o sacrário de seu ventre. Tive a primazia de privar de seu convívio e de seu amor e de papai também. Ele honrou a missão, vivia entregue aos negócios, mas, ela era a presença amiga, a heroína e o nosso espelho. Silenciosa qual Maria, foi conselheira, severa quando necessário e um anjo sempre. Não havia hierarquia ou predileção pela dúzia de filhos, dezenas de netos, bisnetos e pelo trineto. Casada em primeiras núpcias com Mário Duarte Louzada trouxeram à luz três filhas, enviuvou-se e casou-se em segundas com o papai Waldemiro Rodrigues da Costa advindo mais nove filhos dentre os quais me incluo. No dia 17/01/2016, mamãe completaria 93 anos de nascimento, mas há 09 anos  ela renasceu para o Senhor, sob o pálio da Mãe Maria. E uma lágrima cai, e outras e outras… A história estaria incompleta sem a presença de meus irmãos, sobrinhos, parentes e amigos citados ou não  na certeza de morada certa em meu coração. Com toda razão sempre esteve o filósofo popular Seu Faustino quando sabiamente nos ensinou um dia que o “coração dói, ah dói…”. 

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