• Confissões de um leitor compulsivo

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  • 23/08/2020 00:01

     

    Hoje venho legislar em causa própria. Literalmente me posiciono aqui em defesa do meu interesse. Falo em primeira pessoa, porque assim me coloco, não me considero membro de nenhuma elite: sou apenas um leitor compulsivo.

    O livro, para mim, é gênero de primeira necessidade, faz parte da minha cesta básica, tão necessário como arroz e feijão. “Desde a epigênese da infância”, sofro desse “mal” e não faço nenhum tratamento. Tudo que consegui foi através dele. Se estou aqui, devo a ele. E, pela Sagrada Escritura, é que norteio o meu viver.

    Os meus bens são os meus livros, nada além. Não há um dia que não ponha a mão em um livro para ler. Pode ser uma obsessão ou qualquer outro nome que os analistas queiram dar. Tenho consciência desse “mal”, porém pago os meus impostos pelo que aprendi a partir deles. Tenho aqui em uma gaveta a certificação de uma licenciatura concedida pela sociedade para lecionar Literatura em Língua Portuguesa. Foi o caminho que escolhi. Optei por viver com Rosa, Pessoa, Lorca, Drummond, Quintana, Cecília, Clarice, Rachel, Florbela, Camões, Graciliano, Dante, Kafka, Bandeira…

    Fiz desse hábito o meu ofício. O pão que está na minha mesa vem dos livros. Meu suor e meu prazer estão no ato de ler. Contento-me com esse pouco que, para mim, é muito.

    Pela estrada que percorri, se não fosse os livros, talvez não encontrasse o equilíbrio necessário para desfrutar a Poesia que emana de pessoas que souberam vencer as adversidades decantando o Amor. Sim, é preciso decantar. O melhor amor é o decantado, apurado em si. É preciso filtrar as ilusões, as paixões, deixar o joio, colher o trigo. Quimicamente o amor tem que existir entre vasos comunicantes. Fisicamente tem que prevalecer a força centrífuga, é para fora, é para o outro, é para o mundo. Precisamos também conhecer a força centrípeta para que ela não venha alimentar o egocentrismo. Por isso que o ato de ler é visto como perigoso, por ser capaz de tirar o corpo da inércia. Quintana já afirmara: “os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”. A leitura liberta a mente e a alma. Por essa razão, nos sistemas sem liberdade de expressão, o livro é visto como ameaça.

    Castro Alves, o Poeta dos Escravos, escreveu: “Oh! Bendito o que semeia/ livros… livros à mão cheia…/ e manda o povo pensar!/ O livro caindo n’alma/ é germe – que faz a palma/ é chuva – que faz o mar.”

    O povo pensante tem um grau de exigência maior e, consequentemente, oferece mais resistências às manipulações, pois apresenta um senso crítico mais afiado. Com isso, as reivindicações são mais consistentes pelo grau de esclarecimento. Monteiro Lobato afirmara que “um país se faz com homens e livros”.

    Olavo Bilac, o Patrono do Serviço Militar, disse que “os livros não matam a fome, não suprimem a miséria, não acabam com as desigualdades e com as injustiças do mundo, mas consolam as almas, e fazem-nos sonhar.”

    É verdade que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Ezra Pound afirmara: “Os homens não alcançam compreender os livros enquanto não chegam a ter a certa dose de experiência de vida. Ou, de qualquer modo, homem algum consegue compreender um livro profundo enquanto não tenha visto e vivido pelo menos parte de seu conteúdo. O preconceito contra os livros surgiu da observação da obtusidade de homens que se limitam a meramente ler.”

    O domínio da linguagem é imprescindível na organização do discurso no exercício da cidadania. Em uma sociedade, o direito de voz e voto dependem do posicionamento dos cidadãos. A leitura do mundo é ampliada pelos livros. Ezra Pound em “ABC da Literatura”, também afirmou: “Um povo que cresce habituado à má literatura é um povo que está em vias de perder o pulso de seu país e o de si próprio.” Na citada obra há a seguinte afirmativa: “ Se a literatura de uma nação entra em declínio a nação se atrofia e decai.”

    Pelas razões apresentadas, quero dizer que sou contra a taxação dos livros. Embora não tenha formação em Economia, acredito que o País não necessita de mais cobrança de impostos, basta que as tributações já existentes não sejam desviadas, basta que as ilicitudes da corrupção sejam estancadas. O dinheiro público naufraga na lama das falcatruas. A crise que se diz econômica tem suas raízes na desonestidade, na falta de ética. Se há realmente necessidade de mais impostos que seja aplicado sobre o capital especulativo não sobre o capital produtivo. A taxação sobre livros não resolverá esse problema, por isso fica a dúvida entre o meramente econômico e o ideológico.

    Ataualpa A. P. Filho

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