• Casa Duriez: Petrópolis e a arte da conquista à moda antiga

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  • 23/08/2018 16:11

    Como numa partida de xadrez, a rotina da loja dependia do trabalho conjunto das peças. Criativos, os peões elevavam os fregueses à categoria de reis e rainhas, dignos de um banquete. Não havia para onde fugir. De sabor e qualidade permanentes, as mercadorias da Casa Duriez garantiam à loja o xeque-mate.

    Os clientes se davam por vencidos, principalmente quando a manteiga e o creme de leite eram os produtos em questão. Bisneta do fundador do negócio, Lucy Duriez, de 90 anos, dá detalhes sobre as especialidades do armazém, inaugurado em 1870.

    "Papai ia na estação de trem buscar latões de manteiga que chegavam de Minas para enformá-los. Todos falam que a manteiga era embalada com folha de bananeira, mas, na verdade, era folha de caetê. Verdinha, ela era fornecida por um senhor do Retiro que ia na loja a cavalo. Era uma forma de conservação", relembra Lucy.



    Além da embalagem de folha, outra característica de destaque eram os potes de barro preenchidos pelo creme de leite que a família preparava. Segundo ela, além dos petropolitanos, veranistas e autoridades se rendiam aos encantos dos produtos. 

    "Na época de Getúlio Vargas, meu pai ia muito ao Palácio Rio Negro levar mercadorias. Também ia bastante coisa para o Palácio Itaboraí e para o Rio. Eram encomendas certas de veranistas que passavam as férias em Petrópolis, mas que queriam continuar a consumir a manteiga ou o creme", diz orgulhosa.

    Classificado como uma delicatéssen por alguns, o estabelecimento vendia de tudo um pouco. Lucy revela que o famoso talharim, cortado na espessura escolhida pelo cliente era, na verdade, de fabricação do restaurante Falconi. "Era uma delícia e fresco! Nunca mais comi um talharim igual àquele", lamenta.

    Ela cita ainda as louças de barro vendidas pelo avô e as gaiolas alemães douradas que, expostas na porta, enfeitavam a fachada. Revirando o baú de memórias, ela destaca também a proximidade com o Cinema Petrópolis. "Antes de assistir o filme, o pessoal passava lá para comprar as balas que vendíamos. Muito gostosas, por sinal".

    Doces lembranças

    Para Miriam Maccachero, de 63 anos, a proximidade com a Casa Duriez era motivo suficiente para consumir os doces da loja: ponto estratégico para, segundo ela, admirar os meninos do Colégio Werneck. 

    "Na década de 60, eu era uma das meninas do Colégio Santa Isabel que sempre iam lá para comprar balas e chicletes que as freiras detestavam. Nós ficávamos na porta e os esperávamos passar. Os proprietários não gostavam muito porque era um bando de meninas falando ao mesmo tempo".

    Assim como Miriam, quem tem o rosto tomado por um sorriso quando o assunto envolve a Casa Duriez é o consultor de negócios Paulo César Féo Nunes, de 68 anos. 

    "Eu era muito pequeno e estava passando em frente à loja com a minha mãe. Ela fez uma compra e, quando íamos embora, vi um pedaço de linguiça enrolada. Eu saí puxando pela calçada. Todo mundo morreu de rir porque foram quase 3 metros de linguiça. Nunca mais me esqueci disso", diz rindo.

    Uma extensão de casa

    Inesquecível, por outro lado, era o incomparável astral da loja. Aos 88 anos, Wilma Casari Kós, ressalta a sensação agradável que era estar rodeada pela família Duriez.

    "Foi uma época em que Petrópolis tinha um comércio familiar, de relacionamentos entre os proprietários e clientes. Era uma delícia parar o carro em frente à loja, fazer as compras com calma e conversar com os donos. Eles sabiam trabalhar com carinho. Nunca comi nada igual ou melhor do que a manteiga e o creme de leite", afirma com saudosismo.

    Também nostálgico é Antônio Henrique Duriez, de 71 anos. Primo de Lucy, ele cresceu com ela no casarão e recorda os tempos em que ajudava a fazer as entregas nos casarões da Avenida Koeler.

    "A Casa Gelli e a Casa Duriez tinham uma caminhonete que era um diferencial. Na família, ela tinha o apelido de Ximbica. Também me lembro do telefone da loja, 2606. Era difícil ter um. Nasci na Casa e, mais tarde, me mudei para a Aureliano Coutinho, onde o carro era guardado".

    Antônio cita ainda a figura da funcionária Ana dos Santos, que chegou a ser babá de seus tios e atendeu a família por 50 anos. "Ela fazia uma carne assada em recipiente de carvão cujo aroma era tentador. Muitas vezes, ele invadia a loja e os fregueses imaginavam que se servia alguma especialidade".

    Com exceção de Ana, a equipe que manteve as engrenagens da Casa Duriez funcionando era integrada por membros da família. Inovadores e hospitaleiros, eles faziam da loja uma extensão de casa. Com simplicidade, faziam a rotina fluir e a transformavam na arte do jogo em que cada passo levava à consagração do local.


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