• Cármen, mulher de verdade

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  • 13/09/2016 12:00

    Cármen Lúcia tomou posse ontem como presidente do Supremo Tribunal Federal. Começou bem, ao dispensar festas e rapapés, rompendo com tradição estratificada na instituição. Tem consciência das dificuldades que o país e seu povo enfrentam, num momento de crise econômica de largas proporções.

    Com 12 milhões de desempregados vagando pelas ruas e praças do Brasil, espera-se que a nova presidente desaconselhe o aumento de vencimentos dos ministros de seu tribunal, em desacordo com o espírito corporativista de seu antecessor Ricardo Lewandowski. Aprovada a elevação de salários, haverá efeitos em cascata, devastadores sobre as finanças públicas, nas duas esferas da Federação – União e Estados, com incidências que podem comprometer as propostas de ajuste fiscal em curso.

    Cármen Lúcia é austera. Faz questão de dirigir o próprio automóvel e tem noção de sua condição de servidora pública. Exerce o cargo para servir e não para dele servir-se, como ocorre com quem se imagina bem acima do comum dos mortais. É inteligente, culta e guarda vasta experiência jurídica. Bravo, ministra!

    Como ninguém, sabe a ministra que a condição feminina, por si só, jamais servirá de salvo-conduto à incompetência e à estultice. A mulher contemporânea, sintonizada com seu tempo, percebe que somente poderá ter êxito com as armas do conhecimento e da proficiência, em qualquer campo da atividade humana. Em sentido contrário, ter-se-á o desastre, um desserviço à causa da mulher, em sua luta histórica em defesa da igualdade de gênero e de oportunidade.

    Impossível, no exato instante em que uma presidente da República é defenestrada, via impeachment, e outra assume a presidência do Supremo, não estabelecer um paralelo entre as duas mulheres que chegaram aos mais altos escalões em suas respectivas áreas de atuação. Há entre elas uma distância abissal. Uma, Cármen Lúcia, é lúcida, usa o discurso com correção e comunica-se de forma clara e escorreita. Outra, Dilma Rousseff, é pernóstica, o cúmulo da antipatia e da arrogância, de raciocínio confuso, puxado a fórceps, babélico, incompreensível.

    Enquanto Dilma amarrou no atraso as conquistas da mulher, tradução da incompetência e da má gestão da coisa pública levada às últimas consequências, Cármen Lúcia desde sempre sinalizou a que veio, com procedimentos afinados com as expectativas e as mais justas aspirações da sociedade. Não há a menor identidade entre ambas, nem sequer em relação ao vocábulo com o qual passaram a ser designadas, com a palavra presidenta logo rechaçada pela ministra, embora registrada pelos léxicos, mas de uso incomum ou raro.

    Há anos, inclusive por dever de ofício, acompanho os pronunciamentos e votos da ministra Cármem Lúcia, plenos de independência e coragem. Neles, ainda que antenados com as manifestações da opinião pública, sempre identifiquei a preocupação maior com a Justiça, sem fugir aos ditames da Ciência do Direito e do ordenamento jurídico-constitucional.

    No plano da ética, como epígrafe em meu novo livro, registrei os protestos da ministra contra os escândalos de corrupção, com menção especial à Ação Penal 470, julgada pelo STF, conhecida como Mensalão. Segundo Cármen Lúcia, acreditava-se, lá atrás, que a esperança vencera o medo, mas descobriu-se que o cinismo é que derrotara a esperança, sobrepujados todos pelo escárnio.

    Uma mulher de verdade, que comandará nos próximos dois anos o Supremo Tribunal Federal. Acautelai-vos, portanto, infratores de todos os matizes da ordem legal, pois todo cuidado é pouco.

    paulofigueiredo@uol.com.br

     

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