• Camtar cura

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  • 17/12/2016 12:25

    Cantar cura. Minha mãe ensina que em certa crise pessoal seu remédio foi cantar. Abriu o Cantor Cristão e desfiou um a um os velhos hinos, entre uma nota sol e um soluçar, um bemol e um lagrimar. A música a envolveu numa espiral que a elevou a uma nuvem de paz e alívios.

    A Bíblia conta de Paulo e Silas no cárcere. Podiam lastimar-se ou se enraivecer. Mas cantaram! O canto encheu as paredes, se fez milagre. Derrubou grades e trouxe não liberdade da alma somente, mas liberdade efetiva pois um terremoto veio e o lugar desabou. Passagem de Atos, que inspirou a dois adolescentes a canção que aqueceu corações na virada dos 1970/1980: “Do fundo da tempestade eu agora posso cantar/ e as estrelas virão só pra me escutar/ Do poço de uma tragédia eu agora posso sorrir/ E o pranto dos corações se tornará em canção/ Porque Jesus me amou e veio morrer por mim/ Garras da morte quebrou/ E eu vou subir pra luz, eu vou… subir. Pra luz”. O hoje Pastor Carlos Carnavalli, da Igreja Batista de Corrêas fez a música em que pus letra.

    No filme de John Huston “O Homem que queria ser Rei”, baseado em Kipling, Sean Connery e Michael Caine estão isolados num abismo dos Himalaias. Não há passagem. morrerão de frio e medo, no gelo. Enfraquecidos de fome, começam a entoar. Depois alteiam a voz. Logo, cantam forte, pondo ecos nas imensas torres das montanhas desertas. Enquanto bradam, algo se altera no alto, pedaço de neve, pedra de encosta, e o tremor das vozes no mover dos gelos faz alguma fissura. Vem a avalanche, próximo à caverna dos aventureiros, cobrindo o abismo que os isolava com uma espécie de ponte. Nascida da cantoria, ela salva suas vidas.

    Em Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, filmado por Nelson Pereira dos Santos, há a cena, recorrente no trânsito dos presos políticos. A chegada de nova leva de sofridos prisioneiros provocava a cantoria de saudação por parte dos que já estavam encastelados na miséria da cadeia. Os recém-chegados secundavam o canto e irmanavam-se todos, mais do que no mesmo sofrimento, na mesma balsâmica esperança.

    O grupo de petropolitanos com quem fui trabalhar em lugar no meio da selva, em 1980, nos reuníamos na praça à beira do Amazonas, para doer de saudades sob o imenso céu de estrelas cadentes. Logo alguém puxava um violão e vinha a seresta bem servida de Pixinguinha e Jobim nos dar tônicos de alegria.

    Na Primeira Igreja Batista, nos anos 1980, um grupo de jovens, aos domingos à noite, percorria casas dos que não podiam frequentar os cultos. À beira de suas janelas faziam a serenata de louvores cuja doçura dava amparo aos sozinhos e saúde aos enfermos.

    Certa vez precisei confortar uma pessoa, ao telefone. Faltou-me o que dizer a quem tanto sofria. Pedi licença e só cantei. Ao telefone, um som de consolo e benção, que ajudou naquela pessoa alguns sonhos mais leves.

    De outra feita, num grande desafio, eu ia ao vale do enfrentamento do gigante, com muitos receios. É a hora em que o mal busca se instalar, acusando nossas impossibilidades e defeitos. Como vacina, cantei. Quem me visse no carro diria, lá vai um louco. Cantava aos brados, deixando os unguentos da música descerem das cordas vocais ao coração, me acalmando. Cheguei à batalha, maior do que quando saí. E Deus me deu a vitória. 

    Então, se ainda uma coisa posso te desejar nesses tempos difíceis, é: cante! Pois quem canta, não só espanta males. Quem canta se remedia e se encanta.

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

     


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