• Camarada bom de luta…

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  • 23/03/2017 12:00

    … Mas sem perder a ternura, jamais!

    Enivaldo Gonçalves sempre foi um sujeito de boa paz, até a hora em que sentia ameaçados os direitos da classe trabalhadora que tão bem representou e defendeu. Menino pobre numa cidade rica, aos onze anos foi emancipado para tirar a Carteira de Trabalho e ajudar sua mãe no sustento da casa e na criação de seus irmãos e irmã – trabalhava no Hotel Casablanca e morava na Rua Teresa. Nesse trajeto, todos os dias escutava os gritos e lamentos dos presos na Delegacia de Polícia que ficava na entrada da rua 24 de Maio – vivíamos então os “anos de chumbo” da ditadura civil-militar. E disso lembrava até seus últimos dias, como ficou registrado no depoimento que prestou para a Comissão Municipal da Memória, Verdade e Justiça de Petrópolis.

    Incansável lutador das causas sociais, Enivaldo iniciou sua vida pública liderando a greve dos servidores municipais em 1979, e que proporcionou a transformação da associação dos servidores em sindicato, o SISEP. Naquela greve enfrentou pela primeira vez a polícia política da ditadura, quando foi duramente interrogado e sofreu tortura psicológica em uma sala da Câmara Municipal. Conforme relatou, não fosse a presença do presidente da Câmara na época, o saudoso Calau Lopes, o episódio poderia ter tido um final trágico – “Queriam saber a qual célula comunista eu pertencia, mas eu nem sabia o que era isso! ” 

    Dias depois, recebendo do advogado Gustavo Friaça as primeiras lições de teoria política, descobriu que “era comunista e não sabia! ” Começou assim sua carreira política, participando do Movimento Justiça e Paz, do MEP (Movimento pela Emancipação do Proletariado), da fundação do Partido dos Trabalhadores em Petrópolis, e no movimento sindical. Muitas vezes chamado de radical, Enivaldo sempre manteve a coerência e a firmeza de suas convicções, além da competência que o levou a assumir a Secretaria de Desenvolvimento Econômico na administração petista de Barra Mansa.

    Mas essa trajetória não teria sido possível sem a apoio e dedicação de sua companheira querida e mãe de seus filhos e filha, sempre a seu lado. Em meio às dificuldades que uma família da classe trabalhadora enfrenta a cada dia, ampliadas pela ferrenha militância política de Enivaldo, foram a costura e as “quentinhas” de Laura que, muitas vezes, garantiram o aluguel e a mesa da família.

    No entanto, essa carreira que se mostrava promissora e vitoriosa foi, aos poucos, interrompida pela doença que nunca o deixou e que o afastou da vida política e do convívio social. Consciente do mal que o acometia, Enivaldo fez um último esforço para vencê-lo e, dias antes de sofrer o acidente ao qual não resistiu, elaborou um novo projeto político para levar à Câmara Municipal, em 2018, uma representação da classe trabalhadora através do PSOL, partido do qual foi presidente e fundador em Petrópolis.

    Sua última participação em evento público aconteceu em fevereiro deste ano na entrega do relatório da Comissão Municipal da Verdade, na Casa dos Conselhos. Ao final do evento, sua intervenção focada na situação dos presos “comuns” (assim mesmo com aspas, como ele sinalizava com as mãos sempre que pronunciava a palavra) emocionou toda a plateia que, ao final, o aplaudiu de pé durante longos cinco minutos. Este ano Enivaldo Gonçalves será homenageado na Semana da Verdade, Memória e Justiça, em Petrópolis.

    Conheci Enivaldo em 1992 durante a campanha eleitoral municipal onde ele era um dos principais articuladores, representando o PT. No ano seguinte fui convidado a compor sua equipe no SISEP, o Sindicato dos Servidores Municipais do qual era presidente. Foi o início de uma grande amizade e parceria, política e profissional, de vinte e cinco anos de luta, sempre.

    Camarada Enivaldo, você vai fazer falta!


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