• Café Rio Branco: hora de recarregar as energias

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  • 26/03/2019 09:20

    Irresistível e imprevisível, a ida ao Café Rio Branco era atraída pelo incomparável cafezinho. Sempre fresquinho e com gostinho de quero mais, refletia o teor dos assuntos que o acompanhavam: quentes e influentes. E foi assim que, duradouros, café e informação conquistaram, de grão em grão, a diversão e atenção do público.

    Central, o endereço do Café era peça fundamental na obtenção de clientes que, uma vez presentes, tornavam suas idas ao local reincidentes. Avenida XV de Novembro, número 1521. Por 43 anos, foi lá que o português Jacinto Manuel Meleiro pautou a rotina dos petropolitanos. É o que relembra seu filho, o comerciante Marcelo Manoel de Abreu Meleiro.

    “Meu pai adquiriu o Café em 1957 e ficou lá até o ano 2000. Trabalhei com ele por mais de 15 anos, desde os meus 12 anos de idade. O Rio Branco era ponto de encontro dos policiais, que paravam as viaturas ali e trocavam informações; de atores que se apresentavam no Dom Pedro; de comerciantes do entorno; jornalistas e políticos”.

    Assim como o cheiro do café pairava no ar, as notícias também circulavam pelo estabelecimento e determinavam o rumo das conversas de quem nele estava. Como resgata Marcelo, era o chamado ‘Boca Maldita’, grupo de frequentadores que discutia política, que os punha a par do que acontecia na cidade.

    “Meu pai chegou a vender mais de mil cafés por dia. O grão era moído na hora e passado da forma tradicional: no pano. Faziam parte do Boca Maldita vereadores e assessores que discutiam tudo sobre a cidade, os burburinhos; então ficávamos sabendo dos bastidores. Sempre dava movimento, principalmente em época de campanha eleitoral”.

    Descrito pelo carioca Luiz Braga, de 62 anos, como o melhor café da cidade, a composição da mistura ainda o intriga. “O que fazia dele tão especial eu não sei, mas era fantástico. Talvez fosse a temperatura da máquina. Eu estava sempre lá. Aliás, foi onde conheci o ator Rogério Cardoso, que interpretava o Rolando Lero, da Escolinha do Prof. Raimundo”.

    Valioso, o líquido era resultado de uma série de fatores: desde a forma como era servido no estabelecimento, ao próprio cultivo, obra da família Rampini. “Tivemos o Café Rampini, fundado por meu avô, Augusto Rampini, por mais de 60 anos. Foi um dos primeiros a receber o selo de qualidade da Associação Brasileira da Indústria de Café. Meu saudoso pai, Manoel Rampini, ficou a frente dele por 40 anos” conta a aposentada Marise Rampini.

    Conhecido e solicitado, o produto era distribuído ainda por cidades vizinhas – Paraíba do Sul, Três Rios, Sapucaia, Sumidouro, São Gonçalo e Teresópolis. Por onde passava, era sinônimo de qualidade. “O café era torrado e embalado em São José. Vendíamos também grãos torrados para serem moídos na hora. Por mês, saíam umas 200 sacas de 60 quilos”. 

    No lugar dos aplicativos, um bom papo entre amigos

    Como bem aponta o artista plástico Roberto Pessôa, de 67 anos, o Café Rio Branco “era o WhatsApp da época”. Para saber o que acontecia, a parada era obrigatória. De acordo com ele, sexta-feira à noite era dia de, viciadamente, ir para aquela porta. “Era onde o pessoal sabia das notícias, se comunicava”.

    “Naquele tempo existiam muitas festinhas em casas de família no fim de semana, então era no Rio Branco que as pessoas iam para saber o que teria. Quem soubesse de alguma festa contava para os outros. A grana era curta então tomávamos um cafezinho atrás do outro. Costumávamos dizer que saíamos de lá cuspindo preto”.

    Divertido, o contato com os amigos envolvia jogar, ora conversa, ora dinheiro fora, no tradicional “basquete de bolso”, ou melhor, na “purrinha”, valendo um cafezinho. O aposentado Pedro Henrique de Oliveira Carvalho, de 72 anos, relembra as noites que passou ao lado “da turma”.

    “Quem perdesse, pagava o cafezinho para a turma toda. Felizmente o negócio era bem democrático. Nos reuníamos no Rio Branco para contar histórias, discutir sobre política e o chamávamos de Boca Maldita justamente porque era de lá que saíam os papos dos políticos”. 

    Levando em conta que não só de café e um bom papo vive o homem, o representante comercial Modesto Garrido, de 55 anos, relembra as vezes em que, na madrugada, o conhecido e cobiçado churrasquinho no pão, preparado e servido no local, foi o responsável por saciar sua fome.

    “Às vezes, tarde da noite, batia a fome e a gente ia ali comer o tal do churrasquinho no pão feito na hora, na chapa. Não sei o que eles colocavam naquele bife e no molho, mas ficava excelente. Até hoje tenho amigos que foram feitos ali no balcão do Rio Branco, entre um lanche e outro. O ambiente era agradável, difícil de dar confusão e briga”.

    Versátil, Modesto destaca os outros pontos pelos quais o Café Rio Branco se tornou tradicional em Petrópolis. “Eles tinham ali uma boa tabacaria: você encontrava todas as marcas de cigarro. Além disso, naquela época, eles vendiam filme fotográfico. Às vezes você precisava comprar um filme à noite. Com as lojas todas fechadas, acabava indo lá”.

    Longe da tecnologia, era no Rio Branco que, entre um café e outro, as energias eram recarregadas e as ideologias renovadas.


    Hoje uma pastelaria funciona no local onde existiu o Café Rio Branco. Foto: Bruno Avellar

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