• As sutilezas do Haicai

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 14/10/2016 12:00

    Retribuindo a gentileza de meu amigo Alexandre Hugueney, volto a abordar a técnica do haicai, seu estilo de poema preferido. E não sei se o progresso e a modernidade seriam os verdadeiros responsáveis pela mutilação das artes ou simplesmente a comodidade de querer ficar na “letargia” mental para não se desgastar. E uma antiga piada vem à lembrança:- “Estava o casal de reis sentados junto à mesa e a rainha chorava por estar com sede e o rei indica o copo sobre a mesa, mas ela retruca que está muito longe da mão.” Convenhamos, apesar do tempo, cerca de 70 anos, é um espelho das pessoas, generalizando bastante, pois todas gostam de ser práticas a se esforçarem muito.

    É o que acontece na poesia, em especial no haicai, com todas suas sutilezas que a maioria ignora – ele é qual um “biscuit” por sua fragilidade. E por isto defendo, com todo o vigor, os estilos de regras fixas que, com suas exigências, obrigam o poeta a raciocinar. Pelo apurado, surgiu no século XV por intermédio de vários poetas – Bashô, Issa, Buson e outros mestres.

    “No Japão Ancestral, a Poesia era tida como sagrada, como verbalização da experiência mística. Era, por assim dizer, a própria expressão verbal do “satori” (a grosso modo, iluminação metafísica). Forma poemática nipônica mais conhecida, o hai-kai é um dos vários caminhos para a manifestação da experiência Zen. As palavras de Murilo Nunes de Azevedo podem, mesmo que debilmente, ajudar a entender/sentir: é preciso a todos os momentos cultivar o silêncio como planta tenra, para que possa-se encontrar a solidão no meio do mundo. Cada objeto, cada ser, cada instante é um mistério pleno de significação. Debaixo da superfície das coisas está a base última onde elas se encontram. Cada uma delas é um caminho aberto com aquele que as sustém em sua grandeza infinita. O encontro é um ato de silêncio. Pois não há participação sem silêncio. Silêncio da fonte que brota no deserto. Do Lótus que desabrocha. Da lágrima que escorre. Tudo se resume, então, segundo o Zen, na busca de silêncio no meio de um universo de ruídos” 

    O poeta Humberto Del Maestro, de Vitória, grande conhecedor e estudioso do assunto, enviou-me material para agregar aos meus dados, no estudo que fiz (nunca editado por motivos óbvios) – “O Conceito do Soneto e a Forma Fixa na Poesia”, onde englobo também a trova, o haicai, o rubai, o ovillejo e a sextina, sendo o haicai o mais complexo – por isto, alguns exemplos de Del Maestro: “1 – A chuva termina, / mas as folhas dos arbustos / se enfeitam de pérolas. 2 – Levanto assustado. / A chuva, na madrugada, / me acorda cantando. 3 – A noite é de prata. / chuveiro das estrelas / me banha de sonho. 4 – Casa perfumada. / No velho tacho dourado, / ferve a goiabada. 5 – O vento passeia / com suas botas molhadas / na tarde de chuva.”

    Apesar de ser um segmento mais complexo que o soneto, os trabalhos sempre divulgados pecam pela falta de tema e métrica, atribuindo como “grandes divulgadores” os falecidos Leminski e Millôr. É a tal da facilidade, que todos seguem de olhos fechados, sem nada conhecer, agredindo suas origens. Aprendi que “é melhor copiar o belo que inventar o feio”, assim, por que tantos “criativistas” não criam em vez de copiar deformando? Feliz foi o poeta Sylvio Adalberto que criou com coerência, em cima de cada foto sua, belos “poemetos” sintetizados, sem agredir qualquer estilo. 

    jrobertogullino@gmail.com

    ualificado

    Últimas