• A verdade e as passeatas

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  • 04/04/2016 12:02


    Iniciei a segunda-feira, pensando em escrever sobre a declaração que Caetano Veloso fez no programa “Altas Horas” na TV Globo que foi ao ar no último sábado. Tenho uma admiração pela música dele, mas já tive muitas divergências do seu posicionamento político. Porém achei pertinente o que ele falou, por isso gostaria de ampliar essa discussão para que a massa não seja manobrada para atender a interesses que possam feri os princípios democráticos, pois o que se preza consiste em um estado de direito de plena liberdade. Disse ele:

    “A manifestação de domingo [13/03], para mim, não foi suficientemente diferente da passeata da família com Deus [pela Liberdade].” 

    “Não reconheci nela a passeata dos 100 mil, da qual participamos. A gente participou de um movimento para uma possível volta da democracia. Grande parte da esquerda também não gostava do que a gente fazia.”

    “Os acontecimentos estão se atropelando. Precisamos ter calma para olhar os acontecimentos. Não temos uma ditadura, mas o Brasil é um país desumanamente desigual e toda movimentação no sentido dessa tentativa de diminuir a desigualdade enfrenta a oposição da elite.”

    A minha adolescência foi embalada pela tropicália. Da minha geração de teresinenses, dos que se dedicam à cultura, raros são os que não se debruçaram sobre a obra de Torquato Neto. 

    Nas marquises do Leblon, na Paulista, como no sertão, há famintos. Deparamo-nos com a miséria em qualquer lugar do país. O termo “elite”, no contexto citado, tem sentido de futilidade. “Diminuir as desigualdades” é proposta de quem se preocupa com o bem comum, seja pobre ou rico. Polarizar um país em direita ou esquerda em pleno caos econômico e ficar nesse “salve-se quem puder” é um erro.   O momento exige a união de forças para tirar a Nação dessa situação caótica. O Brasil parou.

    Na noite da citada segunda-feira, por volta das 22:00 h, encontrei na rua do Imperador um baiano, que dorme sob as marquises de Petrópolis. Eu o conheci na Pastoral de Rua. Paramos por alguns minutos de prosa. Nunca tínhamos conversado assim particularmente, sem pressa. Ele falou da ex-mulher, dos filhos, dos netos, do Gardenal que toma e do que tritura e cheira, dos empregos que já teve e por onde passou. Depois desse relato, resumiu: “para Deus, eu ainda tenho jeito; para o mundo, não.”

    Aproveitei a deixa e perguntei: – você não quer ir para uma casa de acolhida?

    Ele foi enfático: – não dá pra eu ficar em lugar fechado. Não ando de elevador, não consigo me sentir preso, quebro tudo. Quando perco o sentido não lembro o que fiz. E lhe falo: bebo cachaça, mas não roubo, não minto e só consigo falar com alguém olhando nos olhos. Não me interessa o resto do corpo. Pode ligar agora pra minha ex-mulher, eu lhe dou o telefone. Ela vai falar que sou cachaceiro, drogado, mas vai dizer também que não sou mentiroso.

    Esse homem, para mim, faz parte de uma elite. Está entre os que têm a sinceridade como questão de honra. Quantos da elite econômica ou política têm a verdade como diretriz do comportamento social?

    Para esticar a prosa, fiz outra pergunta: 

    – O que você leva nessa sacola? – Ele respondeu: 

    – Um refrigerante, foi só o que o dinheiro deu pra comprar. 

    – Vamos lá pegar uns pães.

    Voltamos à padaria. Quis comprar uns pãezinhos para ele levar também para os amigos. Mais uma vez, foi enfático:

    – Não precisa comprar tantos pães. Basta comprar dois desses aqui – apontou para os sonhos.

    – Mas vai dar? 

    – Lá a gente divide.

    Essa é uma atitude de elite. 


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