• A tragédia nossa de cada dia

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  • 26/03/2018 08:50

    A morte ainda está no cume do trágico. A irreversibilidade dela é que deflagra o desespero, por não haver mais esperança. Quando o destino instala o “nunca mais” dilata uma dor profunda. Nessas horas, acende a luz da fé em busca de milagre. Mas nós, simples mortais, penamos nessa via-crúcis, querendo encontrar explicações diante das adversidades que a vida nos oferece.

    As notícias de falecimento fazem parte do cotidiano, basta abrir um jornal para se deparar com fatos consumados em óbitos. A imprudência e a imperícia são as principais causas dos acidentes automobilísticos tanto nos centros urbanos quanto nas estradas. As estatísticas constatam a falta de educação para o trânsito. Lamentamos as mortes, mas os erros se repetem e seguimos recolhendo corpos à beira do caminho. 

    A dor do trágico é tão profunda que desperta no homem o desejo de ser um deus, capaz de vencer o destino, mas só encontra os limites da efêmera contingência. 

    Ainda ecoam, nos meus ouvidos, os gritos da avó da criança de 1 ano e 7 meses com síndrome de Down, vítima de balas perdidas no confronto ocorrido em 16/03, em um dos acessos do complexo do Alemão no Rio de Janeiro. O desabafo da mãe, também atingida pelos tiros, as declarações do pai refletem o sentimento de impotência da população que vive sob a precária proteção do Estado.

    A mãe colocou o filho no carrinho de bebê, parou em frente a uma barraca para comprar algodão doce. Quando ouviu os tiros, correu com a criança em busca de abrigo. Mas, ao perceber que ela fora atingida na cabeça, entrou em pânico. É imensurável essa dor!

     Ainda está em nossa memória o caso do menino Arthur, que foi baleado no ventre da mãe. É triste saber que essas cenas continuarão ocorrendo. Estamos expostos a uma guerra. 

    Lamentei também a morte de Marielle Franco e do Anderson Gomes, como lamentei a morte do camponês João Pedro Teixeira, do Chico Mendes, do Edson Luís, do Padre Josimo Tavares, da missionária Dorothy Stang, do casal José Cláudio e Maria do Espírito Santo, do índio Gaudino, queimado em Brasília, dos dezenove sem-terra em Carajás, dos nove trabalhadores rurais em Mato Grosso, dos oito meninos que dormiam na Candelária e de muitos outros que o silêncio do medo mantém no anonimato. 

    Penso que as pessoas envolvidas na morte de Marielle não esperavam uma repercussão tão grande a ponto de ter um manifesto internacional pela elucidação do crime.

    Mas o que me levou a escrever este texto foi a matéria que li, neste jornal, sobre o senhor Jamil Luminato, morador do bairro Alto Independência, que aos 20 anos de idade, em uma ação heroica, salvou uma criança soterrada por deslizamento causado pelas chuvas que caíram aqui em 1981.

     Em 2013, no mesmo bairro, outra tragédia aconteceu, pelos mesmos motivos: morreram um neto de 2 anos, outro neto de 4 anos e a filha de Jamil, mãe das crianças. No domingo passado, 11/03, no mesmo bairro, em outro desmoronamento, o irmão dele faleceu com a namorada.

    – Quantos calos existem no coração desse homem?  Em tragédia, a vida supera os clássicos gregos.

    O título deste texto veio quando, na manhã de segunda-feira, 19/03, vi, antes de ir para a sala de aula, as lágrimas nos olhos de um colega que falou:

    – Nesse fim de semana, morreu um grande amigo do meu filho. O pai dele alugou uma casa pra comemorar o aniversário do garoto. Mas antes da festa começar, o menino se escorou numa mureta de madeira, que se rompeu. Ele caiu de uma altura de 6 metros. Morreu na hora!

    Hoje só tenho uma certeza: em tragédia, a arte nunca vai superar a vida.


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