• A queda das máscaras

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  • 09/09/2020 09:30

     

    A velocidade da vida moderna nos leva a ter a impressão de que o tempo anda acelerado. Mas, na verdade, o dia continua com as suas 24 horas. O minuto ainda tem os seus 60 segundos. 

    Digitais ou pendulares, os relógios continuam a marcar o tempo que foge do nosso controle. A agenda dos compromissos profissionais não pode ser transformada em pelourinho.  Escravizar-se para atender às ansiedades do consumo consiste em conduzir a vida por um caminho estressante. Viver pela obsessão de acumular capital para ampliar, a qualquer preço, o poder de compra pode acarretar sérios problemas. 

    Acho que algumas pessoas hoje estão em maus lençóis, porque se deixaram corromper pelo vil metal. Venderam a alma, por isso estão sofrendo as consequências da corrosão ética. A todo custo, viveram em função da aquisição de bens para ter o prazer de dizer que houve uma realização pessoal; quando, na verdade, apenas desejavam ser felizes. 

    Como a felicidade não está nas vitrines, a ostentação da riqueza é usada como peneira para tampar o sol da tristeza. As desilusões, os fracassos estão nas derrotas das lutas travadas dentro de si. A maior vitória é a que nos faz erguer a cabeça sem peso na consciência. 

    Ultimamente estamos assistindo ao desmoronamento de algumas máscaras. Estão sendo desvelados falsos perfis de hombridade que se ergueram sobre pilares que usurpam a boa fé do povo, explorando-a em benefício próprio. 

    A queda pela decepção pode provocar danos irreversíveis. Embora seja raro, ainda há quem valorize os princípios morais. É admirável ver alguém construindo uma trajetória de vida fundamentada na ética, na honestidade, no respeito ao outro, sem uso de meios ilícitos para ter um “lugar ao Sol”. É possível erguer-se sem puxar tapetes e sem esconder nada debaixo deles.

    A lei da sobrevivência é primitiva. A fome ainda não se modernizou, continua no primarismo. Por isso que os primatas buscam as tetas. O “self-made”, feito por si, deve reconhecer, pelo menos, o colo que o acalentou antes de sentir-se um homo sapiens. É bom reconhecer o trabalho de quem transpirou e deixou o suor pelo caminho para diminuir a poeira sobre quem vem pela mesma trilha.

     Na minha modesta concepção, o autodidatismo não existe, porque “homem algum é uma ilha”. A linguagem não é deusa, mas é onipresente, onde tiver duas ou mais pessoas, ela estará no meio delas. E assim, o conhecimento é transportado. O processo de ensino aprendizagem não se restringe ao espaço escolar. A vida tem as suas lições; e o mundo, com a sua rudimentar palmatória, impõe ensinamentos que são assimilados até involuntariamente. O outro nem sempre é o inferno, quando visto “pelas lentes do amor”. Contudo, temos que reconhecer que os construtores da selva de pedra foram eficientes: aconselhavam a não falar com estranhos, investiram no individualismo, na concorrência, na meritocracia e passaram a vender seguros de vida pela insegurança que criaram. A violência aqueceu o mercado da venda de armas e dos sistemas de alarmes. Além de tudo, continuam incentivando a criação de parques industriais sobre a natureza morta. Desumanizar-se é necessário quando se tem como objetivo apenas acumular papel-moeda, por isso que essa pobreza não se sensibiliza com a dor do outro. 

    Confesso que sinto uma tristeza profunda quando vejo alguém traído pela boa fé: Confiou, acreditou, investiu, defendeu; mas depois, descobriu que foi enganado…

    A meu ver, a inocência não deveria ser punida pela traição. Mas há uma certeza: os traidores da fé do povo não permanecem impunes.  Sem rancor, ódio ou vingança, “que a terra lhes seja leve”.

    Sempre penso nessa “gente honesta, boa e comovida/ Que caminha para a morte pensando em vencer na vida”, citada na canção “Pequeno Perfil de um Cidadão Comum” de Belchior, porque essa “gente honesta, boa e comovida” acredita no amor sem medida, mas questiona a medida das coisas para ter a sua missão cumprida.

    Ataualpa A.P. Filho

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