• A poesia chora, empobrecida

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  • 29/09/2016 12:00

    Apesar do sol, o dia 11 de setembro amanheceu triste, com uma nuvem pairando sobre o campo santo do Jardim da Saudade, no Rio de Janeiro. Debruçada sobre a nuvem, a “Poesia”, de tristeza, deixou cair uma lágrima sentida, lamentando: “Foi-se um dos meus melhores guardiões!”. Ao seu lado, Castro Alves a consolava: “Não chore, que outros surgirão para nos eternizar. Não creio que deixarão meu “Navio Negreiro” afundar no mar do esquecimento. Vamos recebê-lo com um sorriso de boas-vindas.”

    Era Romildes de Meirelles, nosso amigo poeta, desprezado e ignorado pela mídia, que partia para a eternidade. Chegara sua hora, poucos meses antes de alcançar os 93 anos e sem poder, mais uma vez, declamar Castro Alves, querido conterrâneo, e o saudoso Menotti Del Picchia – tudo de memória – como sempre fazia quando nos reuníamos em casa de amigos, em muitos fins de semana. E como preconizou num soneto – A VELA – que tanto ilumina, chegara ao fim:

    “Uma pequena vela… ó que lição bonita / esta modesta luz, nos traz, bruxuleante! / Feita em cera, envolvendo uns poucos fios, crepita / com fraca luz que brilha apenas breve instante.

    Dura bem pouco… a vela está agonizante! / A luz tremeluzente enfraquece e se agita. / Seu viver é fugaz… logo queima o barbante, / acaba a cera… e está sua vida finita.

    Em pouco tempo deu, o círio, a breve vida / pela luz. Tudo findo! A missão foi cumprida. / A alaranjada chama agora não reluz…

    Como invejo, meu Deus, o destino da vela! / Quisera fosse igual o meu fadário ao dela: / ver todo o corpo meu se transformar em luz!…

    E ele se transformou em luz – sim! Quanto lamentamos sua partida (ordem normal da vida), mas certamente, tudo faremos para preservar sua memória, neste Brasil que é o eterno país do futuro, de um futuro que nunca chega, com a cultura ausente e despedaçada, afogado no oceano da desmemória. Por isto podemos homenageá-lo com mais um soneto seu que representa toda nossa emoção – TRISTEZA:

    “Na tristonha penumbra ao fim do dia, / na hora que o sol se esconde no poente / e a escuridão da noite lentamente / envolve a terra em doce nostalgia;

    Quando os amenos sons da Ave Maria / vibram pelo ar como canção plangente; / quando os sinos badalam docemente / espalhando uma triste melodia,

    meu pensamento volta-se ao passado, / teu belo vulto vejo emoldurado / dentro de um halo de fulgor divino.

    Na tristeza dolente que me invade / sinto meu peito encher-se de saudade / ouvindo o triste repicar do sino.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     

    E lá em cima, no fim da cerimônia, saindo da nuvem, Castro Alves pegou a “Poesia” pela mão e disse: “Vamos minha querida, vamos nos preparar para recebê-lo com festa, pois ele merece. Pelo menos, esta honraria lhe daremos aqui em cima”.

    jrobertogullino@gmail.com

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