• A Pata de ganso e o piriforme

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 31/05/2020 00:01

    A frase “de médico e louco, todo mundo tem um pouco” porta uma dose de verdade, por isso caiu em domínio público.  Mas quem a criou usou o lado poético, estabeleceu uma rima, mas não caprichou na porção científica, não determinou os percentuais de “médico” e de “louco” em tempo de caos.

    Nesta pandemia provocada pela covid-19, a dosagem de loucura saiu do controle, muitos estão agindo como médicos, mas sem nenhuma formação para exercer tal profissão. As alucinações, os delírios já extrapolaram, estão nas raias do absurdo. O charlatanismo inconsequente se manifesta na exploração da boa fé do povo. Vender “sementinha milagrosa” é subestimar a inteligência das pessoas que buscam, na religiosidade, um conforto espiritual. Na minha concepção, a insanidade moral é pior do que a mental. É válido ressaltar que o exercício ilegal da Medicina é crime. A “canetada” do decreto não vale como receituário.

    Tenho vibrado muito com os gols de placa dos profissionais da área de saúde. Aquela alegria que eles externam nas portas dos hospitais, quando um paciente sai curado, emociona. A esperança revigora. Contudo, a tristeza vem em dose dupla quando nos deparamos com as ações nocivas da corrupção. Essa dor é profunda, porque o dinheiro que poderia ser empregado na melhoria dos setores públicos é desviado criminosamente. Não há dúvida, esses que desviam verbas têm as mãos sujas do sangue que salta das veias do povo. Essas ações dos abutres sociais não ficarão impunes. Podem ludibriar as leis dos homens, mas a Divina é incorruptível. A insensibilidade desses indivíduos diante do sofrimento da população nos impressiona. Agem sem arrependimento algum. Esses crimes deveriam ser classificados como hediondos.

    Mas hoje, para aliviar as tensões, queria lhe falar da minha porção de médico que é uma gotícula de orvalho no capim em manhazinha de sereno que, aos primeiros raios de Sol, evapora:

    Ainda moço, comprei uma bike e uma bicicleta ergométrica para pedalar em casa com o propósito de resistir ao sedentarismo. Mas a empolgação durou pouco. A ergométrica virou cabide e a bike, eu doei para que não fosse corroída pela ferrugem na garagem do prédio em que moro. O resultado desse desleixo pode ser visto nos quilinhos de gordura que adquiri.

    Quando li a notícia de que o novo coronavírus gosta da obesidade, corri para o quartinho de bregueço. Tirei tudo que estava pendurado na bicicleta. E nesta quarentena, comecei a pedalar. Mas, antes, pedi orientações a uma amiga professora de Educação Física.

    Um dia, pedalando, peguei o celular para ver um site de notícia. Ao ler uma matéria sobre a politização da cloroquina, fiquei irritado e exagerei nas pedaladas. Senti uma dor na altura do joelho. Parei na hora. Depois do banho, consultei o senhor Google. Peguei o celular novamente e entrei, pelo aplicativo, no grupo da escola. Após ler as mensagens de bom dia, postei: “hoje pedalando, acho que lesionei a pata de ganso”. De repente, surgiram as figurinhas de espanto e riso.

             – Pois é! Não sabia que existia a Tendinite Pata de Ganso.

             Aprendi mais uma lição: não ler nada sobre política quando estiver pedalando, porque estressa.

    Outro dia, a minha postagem também serviu de riso: falei que achava que estava com dor no piriforme, um músculo pouco conhecido. Às vezes, ele que se manifesta, mas quem leva a fama é o nervo ciático.

    Neste período de “home office”, as dores no punho vêm se manifestando com mais frequência pelo trabalho repetitivo das digitações. Contudo, essas dores físicas são insignificantes diante desta dor maior que bate em nosso peito quando nos deparamos com o crescente número de mortos nesta pandemia.

    Não sou adepto do partido da cloroquina, nem da tubaína, nem das cocas. Estou no time dos que exigem seriedade e que não aceitam esse deboche, essas piadinhas provenientes da ignorância e do desrespeito aos sentimentos de quem perde um ente querido. Não existe pátria sem povo. A ignorância será derrotada pela Ciência. Vamos continuar caminhando de mãos dadas, sem perder a ternura, apesar desse pandemônio político que ameaça a democracia em nosso país.

     

    Últimas