• A memória de Carmen Cinira

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 24/06/2016 12:00

    Sua espontaneidade poética era tão grande que ela própria acreditava serem os seus versos de origem mediúnica, já que seguia a doutrina de Alan Kardec. Glorificou o Amor, a Renúncia, o Sacrifício e a Humildade, em suas obras. A seguir, Ser Mulher, um de seus sonetos:

    “Ser mulher não é ter nas formas de escultura, / no traço do perfil, no corpo fascinante, / a beleza que um dia o tempo transfigura / e um olhar deslumbrado atrai a cada instante… 

    Ser mulher não é só ter a graça empolgante, / o feitiço absorvente, a lascívia e a ternura; / ser mulher não é ter na carne provocante / a volúpia infernal que arrasta e desfigura… 

    Ser mulher é ter na alma essa imortal beleza / de quem sabe pensar com toda a sutileza / e no próprio ideal rara virtude alcança… 

    É ter, simples e puro, os sentimentos francos… / e ainda no fulgor dos seus cabelos brancos, / 

    sonhar como mulher, sentir como criança!”

    Carmen Cinira (Cinira do Carmo Bordini Cardoso) nasceu em 16.07.1902, no Rio de Janeiro, e faleceu em 30.08.1933 na mesma cidade.

    Jovem poetisa cuja vida se apagou quando mal atingia seu esplendor. Chegou a cursar a Escola Normal, porém, não sentindo vocação para a carreira de professora, abandonou o curso, e dedicou-se inteiramente à atividade literária. Era talentosa e formosíssima, e pelo valor do seu estro e pelo encanto de sua pessoa, logo se tornou querida e admirada de todos.

    Sua estreia ocorreu com os “Primeiros Voos”, que era ainda uma coletânea de versos indecisos. Neles, entretanto, já se revelava a poetisa, com a sua tendência pessoal inevitável – a sua preocupação frequente dos temas do amor. Publicou “Crisálida”, trazendo prefácio de Osório Duque Estrada e “Grinalda de Violetas”. Esses livros eram, todos, o simples reflexo de um mesmo espírito ardente, porém facilmente desiludida da vida e da felicidade, e representa, cada um deles, um novo desdobramento dos mesmos sentimentos e das mesmas decepções da poetisa.

    Em 1933, na quarta-feira de cinzas, Carmen Cinira – cuja saúde nunca fora boa, adoeceu com uma forte gripe. Pelas circunstâncias, sem demora, o médico aconselhou-a ir para São José dos Campos. Ali ficou durante cinco meses, internada no sanatório Vicentina Aranha. Regressou ao Rio já desiludida de poder curar o seu mal tão grave. Ainda lutou com a morte durante alguns dias, vindo a falecer. Viúva aos vinte anos, contraíra a doença por ter sido a enfermeira dedicada do marido tísico. Apesar da passagem meteórica pela vida terrestre, plena de ingredientes para transformar-se numa tragédia, foi uma jovem arrojada para seu tempo. Através de sua poesia e de sua conduta, desafiou o “status quo” que condenava a mulher a ruminar os sonhos de amor em silêncio.

    Humberto de Campos, na crônica “A Morte da Libélula” conta que conheceu Carmen Cinira quase menina, numa tarde, na ABL: “Morena, grandes e profundos olhos turcos de veludo negro, trazia nos traços e, nessa tarde, no vestuário, os atributos de uma jovem princesa oriental. Toda ela era graça infantil e atordoada, de borboleta que acaba de sair da crisálida e penetra num rosal, tonta de sol e em luta com o vento da manhã primaveril”.

    Depois de sua morte, amigos reuniram os últimos versos que ela havia escrito e com eles apareceu, em 1934, o livro “Sensibilidade”, que trazia palavras preliminares da escritora Sílvia Patrícia e um prefácio do poeta Paulo Gustavo.

    jrobertogullino@gmail.com


    Últimas